Rewind

domingo, 28 de outubro de 2018

Avô,

A mesa redonda, ainda, no mesmo lugar.
A janela de onde se vê o grande terraço. 
E hoje ser domingo. 

O meu coração que, de súbito, ouve a nossa Gó, 

Meninos, Sr. Mesquita, o chá está pronto!,

Eu, tu, o A. e as peças do dominó espalhadas na mesa; algures, os jornais do dia que lemos, as conversas em que, sem o sabermos, o coração foi gravando um antídoto eterno contra a tristeza. 

E que jogador generoso foste para nós, toda a tua vida. 

As peças mais altas foram sempre para nós - o futuro tinha que ser um abraço teu, mesmo que já cá não estivesses; havia que se compor o caminho e dares-me, a mim e ao A., as peças que desempatassem o jogo. 

Pelo meio, ensinar-nos, também, as regras que foram sempre as tuas - as do esforço, do trabalho, do perdão, da verdade e do afecto num grau absoluto. 

E, hoje, eu saber que os corações que amam fazem sempre batota - como no dominó que se joga com duas crianças, a vitória estava, sim, nas regras que a verdade do que fomos uns para os outros, nos permitiu - nada pôde a morte no meu coração - o teu abraço continua aqui, o chão do meu caminho é obra tua e o céu dos meus sonhos tem a altura que os teus ombros generosos me permitiram. 

Olho a mesa com os meus 31 anos - na caixa de madeira, as peças todas. 

Como no meu coração, tudo continua a postos - até hoje, as peças todas que foram os teus ensinamentos, a memória viva da tua voz alegre quando um de nós te ganhava, 

Parabéns, pequeno!

Até hoje, em cada vitória, tu estás lá comigo, 
Até hoje, em cada tristeza, o teu abraço que os meus ossos sentem

e o vapor quente da saudade que sobe no sangue e embacia o vidro dos olhos.

Trago no bolso as peças todas, Avô. 

No jogo da vida, já ganhei - o manual do dominó do nosso amor teve somente as nossas regras. 

Por isso, é possível a um neto desejar que tivesses tido na tua vida mais peças para que o jogo pudesse ter durado mais. 

A mesa está pronta. 
Eu peço à Gó e ao A. que me ajudem a chamar-te. 

Eu e ele temos no coração, até hoje, as peças todas que nos deixaste.  

Senta-te connosco, Bininho, meu querido.

O chá deste domingo trouxe saudade. 

RM| XXVIII-X-MMXVIII