Rewind

domingo, 11 de maio de 2008

Chuva



"Há gente que fica na estória da estória da gente
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir."

O sentido das coisas

O Sol não sabe porque brilha
As estrelas não sabem porque cintilam
O mar desconhece porque ondula
As flores não sabem porque abrem
O vento não sabe porque sopra
A Terra não sabe porque treme
As águas desconhecem porque correm
As pedras desconhecem porque rolam
A erva desconhece porque nasce
Os cometas não sabem por caem
O céu desconhece porque chora
As árvores desconhecem porque estão nuas
As nuvens desconhecem para onde vão
A noite desconhece o dia
Os pássaros desconhecem porque voam
As ondas não sabem porque rebentam
As folhas porque bailam no vento
Mas eu sei.
Eu brilho por ti
Como o Sol
Cintilo ao lembrar-me de ti
Como as estrelas
Ondulo na busca da tua praia
Como o mar
Abro-me sempre para ti
Como as flores
Sopro para que venhas
Como o vento
Tremo de frio na ausência do teu calor
Como a Terra
Corro para desaguar em ti
Como as águas
Rolo nas tuas mãos
Como as pedras
Nasço a cada dia
Como a erva
Caio cada dia a teus pés
Como os cometas
Choro quando não estás aqui
Como o céu
Estou nu, sem reservas
Como as árvores
Sei para onde vou porque existes
Como as nuvens
Sei o dia porque tu me fazes nascer
Voo para te encontrar
Como os pássaros
Rebento com o prazer do reencontro
Como as ondas
Bailo no vento
A cada suspiro teu
Como as folhas.

Meu amor, sem ti
Tudo perde o sentido.

Ricardo Mesquita 10-12-2005 19:52

E tudo o vento trouxe

Sentou-se naquele dia quente no alpendre. Ao fundo, o mar estalava nas rochas. E o ar trazia o cheiro de memórias suaves. Com ruído de vozes felizes, lá no meio. Aquele fora o banco dos desejos. Dali lançara sonhos sem nome, sem cara, sem gesto ou voz, ainda. Isso era sonhar sozinho. Lançar a nossa voz silenciosa pedindo que a vida, as jogadas ocultas da sorte ou os dados deste jogo tragam os bocados que faltam no puzzle.
E ali havia continuado ele: os pés soltos na areia fina que parecia querer conquistar a casa, o peito a inspirar o ar com uma ondulação suave e a cabeça a passar o filme que o coração pedia. Houve dias de céu escuro-dálmata, com as estrelas a brilhar ferozes no bréu. E a brisa ou o vento forte, quando vinha, pareciam insuflar mais o peito e ajudar a soltar as palavras debaixo dos seus baques.

No seu pensamento tudo podia acontecer. Não sabe bem porquê mas não lhe ocorriam coisas más. É isso que faz quem quer dar. Não imagina nada maior do que esse desejo. E mergulha aí toda a dose de realismo. Ou, mesmo que vagamente se lembre disso, estamos a falar de sonhos e das coisas menos boas, acorda-se sempre mais depressa.

Houve noites em que o vento soprou mais agreste, quem sabe numa insónia terrível. E, em cada uma dessas noites, pensou que lhe saberia bem um braço nas costas. Nos dias depois do vendaval, dava sempre longos passeios pelo areal, como que a ver o que a ira caprichosa do vento tinha revelado. E, por vezes, lá via o banco no alpendre. A areia era sempre mais, como que atirada com os ossos agora feitos em pó contra a casa.

Depois de uma dessas noites, em que o vento se rebelou como nunca, veio a calmaria, como se o vento tivesse cumprido a jornada. Tinha companhia. E, finalmente, o pensamento lhe fora devolvido com vida e o filme não era já mudo. O homem soube finalmente o que eram os sonhos com vida, rosto e voz.

Curioso nunca ter deixado de sonhar. Talvez porque duas cabeças sonhem melhor que uma.