Às vezes sentado aqui mesmo, recordo todos aqueles que me são alguma coisa. Não falo daqueles com quem a vida me cruzou, mas daqueles a quem a minha pele reconhece as palavras e o silêncio, e logo se arrepia. Não preciso de olhar para nada. De olhos fechados, vejo bem melhor - vejo o que a memória me conta. E passo e repasso estas metragens vezes sem conta, como aos filmes da infância que ainda guardo, todos e intactos.
Ter vivido é isso mesmo. E porque não consigo segurar ou parar o tempo, estou onde ele me diz para estar mas evoco outros dias por onde ele passou. E assim, embora o tempo continue a caminhar, há de estar algum tempo a correr sozinho.
Recordo as preocupações, o medo de perder; recordo a vida com o cheiro morno de um fim de tarde de Verão, onde haja mar. Ou o cheiro dele. Recordo os outros. Não, não essa massa indistinta. O outros, esse "todos" ou o "tudo" que são para mim. Lembro-os muitas vezes. E é como se os visitasse ou os recebesse na morada que o tempo escolheu para nós. E que eu, casmurro, teimo em não abandonar.
Estou com eles, muitas vezes. Faço as mesmas coisas, vezes sem conta. Ouço as mesmas palavras, de novo. E são como ditas pela primeira vez. Não um eco, longínquo e rouco.
Faço-o pelo que de mim nasceu ali. Pelo que de mim ficou ali. Por aquela memória escondida do outro lado de cada um dos lugares, agora vazios.
Nasci no tempo da memória a cores. Não sei se felizmente, ou não. De olhos bem fechados, o turbilhão de imagens segue e, de cada vez que o revisito, reparo sempre num pormenor diferente. Um brilho nos olhos, uma concha arrastada pelo mar; o som de uma palavra, cujo sentido desvendamos agora ao ouvir, de novo, a voz de alguém.
A vida sabe melhor, com o tempo. O Mundo pode continuar a correr lá fora. E continua.
Mas a verdade é que o que fui, embora, por vezes, já longe de mim, continua aqui do lado de dentro de mim e do tempo. E apesar de, às vezes, desejar trocar "dentro" pelo "fora", fecho os olhos e o longe subitamente se faz perto. Mais perto que nunca.
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