Diz-me que ainda te lembras do muro. Sim, daquele muro naquela rua da nossa infância. Um muro resistente, duro. Um amontoado de pedras escuro e rugoso. Diz-me que te lembras de nós ali, parados. Dia após dia. Sempre que me afastei daquele nosso sítio, vi-o como o local onde esperei tudo o que me aconteceu depois.
Foi para este desaguar de dias que se encaminhou a nossa comunhão naquelas pedras? Foi para isto que o Mundo juntou as nossas pulsações; para que trocássemos de vida, quando elas nos pesava demasiado?
Que bom que foi ver dali a hipotermia do céu, quando o sol de esfiapava no infinito.
Que bom foi o mar de azul infinito dos teus olhos. Que bem me soube o afago silencioso da tua mão pequena. Esse gostares de mim, só porque sim. Nunca consegui dizer porque gosto tanto de ti. Ainda bem que não consigo isolar uma só coisa, que brilhe mais do que as outras. Todos os passos do resto do caminho já os deste. Tens tudo.
E esse tudo, esse termos percorrido todos os caminhos e nada nos ter separado, diz-me que és para mim como cada uma daquelas pedras. Sólida e concreta. E que bom que é quando me encosto à minha certeza de ti e o teu calor leva para longe a correnteza traiçoeira da vida.
Outro dia passei pelo nosso muro. Estava repleto de flores roxas. E no mesmo sítio. E lembrei-me de ti. Sempre a mais sólida das pedras e a mais frágil das coisas, como uma daquelas flores.
Parei e a memória de ti veio encontrar-me, ali. E de novo nos vi na nossa fidelidade ao sonho. A esse sonhar com a certeza de que só o queríamos real se acontecesse aos dois.
Que bom termos ainda a vida para sonharmos. Onde quer que esteja farei de todos os muros o nosso. E de cada um dos dias novos, um pretexto para sonhar, mais uma vez. Só para te ter nesse sonho. E inventarei as flores, no frio das lâminas da invernia. E tu estarás lá. Como o mais perfeito dos sonhos feito carne.
E continuarei a sonhar. Sem medo. Porque sei que um dos sonhos se realizou e está ali. Vivo mesmo depois de infinitos acordares. Sólido e resitente. Como a mais singela e ínesperada das flores. No nosso muro.
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