Sentou-se naquele dia quente no alpendre. Ao fundo, o mar estalava nas rochas. E o ar trazia o cheiro de memórias suaves. Com ruído de vozes felizes, lá no meio. Aquele fora o banco dos desejos. Dali lançara sonhos sem nome, sem cara, sem gesto ou voz, ainda. Isso era sonhar sozinho. Lançar a nossa voz silenciosa pedindo que a vida, as jogadas ocultas da sorte ou os dados deste jogo tragam os bocados que faltam no puzzle.
E ali havia continuado ele: os pés soltos na areia fina que parecia querer conquistar a casa, o peito a inspirar o ar com uma ondulação suave e a cabeça a passar o filme que o coração pedia. Houve dias de céu escuro-dálmata, com as estrelas a brilhar ferozes no bréu. E a brisa ou o vento forte, quando vinha, pareciam insuflar mais o peito e ajudar a soltar as palavras debaixo dos seus baques.
No seu pensamento tudo podia acontecer. Não sabe bem porquê mas não lhe ocorriam coisas más. É isso que faz quem quer dar. Não imagina nada maior do que esse desejo. E mergulha aí toda a dose de realismo. Ou, mesmo que vagamente se lembre disso, estamos a falar de sonhos e das coisas menos boas, acorda-se sempre mais depressa.
Houve noites em que o vento soprou mais agreste, quem sabe numa insónia terrível. E, em cada uma dessas noites, pensou que lhe saberia bem um braço nas costas. Nos dias depois do vendaval, dava sempre longos passeios pelo areal, como que a ver o que a ira caprichosa do vento tinha revelado. E, por vezes, lá via o banco no alpendre. A areia era sempre mais, como que atirada com os ossos agora feitos em pó contra a casa.
Depois de uma dessas noites, em que o vento se rebelou como nunca, veio a calmaria, como se o vento tivesse cumprido a jornada. Tinha companhia. E, finalmente, o pensamento lhe fora devolvido com vida e o filme não era já mudo. O homem soube finalmente o que eram os sonhos com vida, rosto e voz.
Curioso nunca ter deixado de sonhar. Talvez porque duas cabeças sonhem melhor que uma.
1 comentário:
Apesar de nada ter que ver, e, de acordo com a minha arrogância e prepotência costumeira e própria da minha pessoa, aqui vai:
"A morte nada é.
Eu estou apenas noutro lado,
Eu sou eu, tu és tu.
Aquilo que éramos um para o outro
Continuamos a ser.
Chamem-me como sempre me chamaram.
Falem-me como sempre me falaram.
Não mudem o tom da vossa voz.
Nem façam um ar solene ou triste.
Continuem a rir daquilo que juntos nos fazia rir.
Brinquem, sorriam, pensem em mim,
Rezem por mim.
Que o meu nome seja pronunciado em casa
Como sempre foi;
Sem qualquer ênfase,
Sem qualquer sombra.
A vida significa o que sempre significou.
Ela é aquilo que sempre foi.
O “fio” não foi cortado.
Porque é que eu,
Estando longe do vosso olhar,
Estaria longe do vosso pensamento?
Espero-vos, não estou muito longe,
Somente do outro lado do caminho.
Como vêem,
Tudo está bem."
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