Há pouco os nossos amigos britânicos foram a eleições. Há muita coisa que estes processos de legitimação do poder têm de bom. Não, não é ver as taxas de abstenção, partidos como o PNR a vociferarem disparates a alta voz (apesar do medo ser uma boa estratégia ou, pelo menos, eficaz, diga-se.) Há lições bonitas que saem das urnas. Neste caso, foi preciso alguma coisa entrar numa literalmente. (e perdoe-se o humor negro.)
Falo do Sr Cameron, claro está. O novo primeiro ministro inglês veio afirmar publicamente que, com ele, o serviço nacional de saúde não desaparecerá. Imagino neste momento todos os neo-liberais, uns por vocação (há desgostos para tudo), outros por complexo de casta a espumarem toda a sua raiva. E não apenas os neo-liberais ingleses mas os seus companheiros de luta, num mundo globalizado. E porque terá dito o Sr. Cameron uma coisa destas? Para os que não sabem o primeiro ministro inglês tinha um filho doente que morreu recentemente. O seu longo período de tratamento coube a esse tão detestado serviço nacional de saúde que nós decalcamos para cá.
E o Sr. Cameron teceu grandes elogios à grande competência e carinho que todos os profissionais haviam tido para com o filho.
Não é que fique feliz com a desgraça alheia. Simplesmente esta história torna óbvio aquilo que todos sabemos ou devíamos intimamente saber antes de tecermos qualquer tipo de consideração a respeito do que quer que seja. Que, em boa verdade, só percebemos a real importância das coisas quando precisamos delas. Fico feliz que os ingleses não tenham de perder o deu direito à assistência na saúde. E digo-o de forma insuspeita. A esquerda não é o lugar de onde vejo o mundo. Mas acredito num mundo em que a esquerda e a direta consigam ver nas pessoas a mesma fragilidade, a mesma exposição ao infortúnio, a mesma humanidade.
É sabido que me repugna qualquer forma de neo-liberalismo. Como qualquer forma de paternalismo bacoco. O Estado, na medida em que deva existir (e como obeso que está, recomenda-se ida urgente ao nutricionista do SNS) existe para servir as pessoas e não para as pessoas se servirem dele. Deve parar nesse ponto: difícil e que exige uma luta diária.
Mas, também sei, que não pela corrupção de uma ideia (pelas filas de espera, pela fraude, pela incompetência) que uma ideia deve desaparecer. Deve-se, antes de tudo, purificar essa ideia e a decantação passa forçosamente por se não desistir dela.
O mesmo se diga quanto ao subsídio de desemprego: apertem-se os requisitos e a fiscalização. Mas não se olhe para o mundo com uma de duas formas: como se tudo o que é nosso fosse lindo e bom (até porque se é comum deve ser mantido por todos e não apenas por uns para os outros, só porque sim) ou, então, como se ser-se humano fosse ser-se irremediavelmente oportunista, infantil, fraco ou chupista. Que o SNS não goza de boa saúde, é bem verdade. Mas também é verdade que estaria a saúde de todos nós muito pior se ele não existisse.
Conheço casos dos dois tipos; sim, como se fossem síndromes: tenho amigos que afirmam que o PREC foi uma coisa linda (apesar de parecer despropositado, a achega teve de ser dada) e outros que acham que o ministério da cultura devia ir com a nossa senhora; que o subsídio de desemprego é uma mama eterna e afins que atestam bem que há algo de muito inóspito naquelas cabecinhas lindas. A uns gostava de os ver sem a fechadura na portinha da casa; aos outros gostava de dizer que a cultura, embora possa ser de massas, não é só a massa. ponto. (embora pareça ser só essa a que têm.) Também eles deviam ir mais vezes com a nossa senhora, mas a religião a sério é uma "maSSada".
Costumo confiar nos resultados que o tempo opera (e, sim, todos nós estamos em lista de espera para aprender). Histórias como estas do Sr. Cameron mostram o que penso quando vejo o mundo: que não podemos nunca deixar de ver as pessoas: com tudo o que elas têm direito. E intimamente continuo a confiar que um dia aqueles que conheço que votam no Bloco mas não acreditam que vá haver nacionalizações (até porque a UE nos impõe o mercado (e a democracia, já agora.) cresçam. E que aqueles que conheço que querem mandar para uma urna o coitado do SNS, o subsídio de desemprego e a ministra da cultura (coitada, e logo agora que ela pelo menos é simpática) caiam do pedastal e curem a miopia social. É tudo uma questão de tempo: e vai ser interessante vê-los a desesperar por uma TAC que custa uma fortuna; a desesperar pela assistência e os meios vasculares e cardíacos que apenas os hospitais públicos podem dispensar. É tudo uma questão de tempo. Alguns, depois de lerem isto, vão ficar de tal forma que o melhor é parar por aqui. É que à crise do país, juntar-se-iam as crises deste meio mundo de gente que tem mais em comum do que pensa. E isso, sim , seria uma "massada."
Uma maçada, digo. Para o SNS e, sobretudo, para mim.