Costumava pensar que o tempo é o melhor solvente. Da proximidade, e só dela, nasce o amor e a desilusão. E só sem ela se pode voltar a amar o mesmo porque nos deixa de cercar o que exactamente tanto nos magoa. Mas o que fica no fim de contas? Será um esqueleto sem carne ou as cinzas de um fogo que teve fim? Como se a acalmia chegasse depois da angústia se cansar e deixar de ladrar, tal como um bicho que, exausto, acaba por serenar. E o que justamente recomeça? Será amor - numa dessas infinitas recombinações dos seres e das relações?
Pensava que a proximidade cria o contraste, acentua o contorno do que somos. E, com ela, chega o risco da desilusão - porque o melhor avistado assim de perto surge truncado, de súbito, pelo pior, assim tornado mais nítido e explícito. Estar perto, viver de perto é reconhecer a imperfeição do outro. E é aí que talvez começe o verdadeiro amor: talvez só aí ele exista - quando se ama por cima ou acima disso mesmo. O amor é o resgate que pagamos para ter alguém de volta. Como se o perdão libertasse o outro. Porque o perdão é uma coisa feita e gerada no íntimo da nossa humanidade; daquilo que todos trazemos escrito como um código na correnteza do sangue.
E sentimos que perdoamos quando damos a mão. Quando, por se recomeçar, estamos a dar a mão ao que nos torna capazes de tanto, no meio de tão pouco.
Perdoar é abraçar o mais íntimo de nós mesmos e reconhecer que aquilo que foi amado nunca deixa de ser uma memória que podemos, um dia, retomar e levar, de novo, para o caminho.