Rewind

sábado, 4 de dezembro de 2010

luz.

A tarde caía em movimentos suaves. As sombras adormeciam a luz no seu colo. E a cidade estava calma, quase quieta, como se a vida se esquecesse do compasso de sempre. E andavamos nós perdidos por essas ruas, os dois. Sempre gostei de caminhar contigo na face do mundo - correr ruas e praças, desvendar o ventre oculto de prédios estranhamente belos depois do banho perene da solidão e do abandono. Tudo se reconduzia ao magnetismo do teu rosto - o mundo como o teu altar, tudo contribuindo para te fazer mais bela e mais perfeita.
Lembrar que a nossa carne junta se fez o nosso caminho; uma vereda verde e selvagem que abrimos por entre a ferida que o mundo consegue ser. Lembrar a tua mão presa na minha dentro do meu bolso. A forma como me fazias parar e me dirigias o olhar como um jarro de luz que se partisse no escuro. E os beijos longos, profundos e intensos como se me quisesses sugar.
O desejo é uma bala contra o corpo cansado da nossa humanidade. E o acender do teu corpo, depois de um dia longo e húmido era o fogo e a catarse de todos os males.
Lembro-me de como as palavras rolavam durante horas - os teus olhos pendurados nos meus, o teu corpo no colo das minhas mãos.
Levantavas-te e ias junto da janela. Julgo que pensavas na face primitiva do mundo e das coisas e na constância das questões. Apaixonei-me por esse nó difícil que és. E aprendi a passear-te as mágoas nas minhas mãos, a desenhar a segurança com os dedos que pedias junto de ti.
Essa gargalhada aberta e espontânea nas noites em que te levava a jantar e depois do cinema dizias que era um daqueles personagens - e punhas-te a imitar a graça que tive quando te falei pela primeira vez e em que vimos o dia nascer pela mesma janela.
Sorrio ao lembrar-me de como me levavas mais fundo a cada diálogo, de como me fazias varrer a face do mundo. E continuo a passear nas ruas e praças da cidade, nas tardes calmas.
Visito o ventre dos prédios abandonados. Mas, de súbito, o que eles guardam não é mais solidão - é a luz do teu olhar. Como um jarro de luz que se quebrou para unir o mundo.

4 comentários:

life with art disse...

Digo eu:
Mas que romântico!
Ó Bela escondida alumia, incandeia...
Luz, Claridade,Sol, Lua!
Que iluminada narrativa!
Conceição

filipelamas disse...

Aqui fica um abraço de Bom Natal e excelente 2011!

Ricardo Mesquita disse...

Obrigado Conceição! Um beijinho! Bom Natal!

Caro Professor,
Que bom tê-lo de volta por estas bandas! Retribuo os desejos em dobro!

Forte abraço,
R.

Anónimo disse...

Que rosa vermelha entre loureiros
há ressuscitado?
A pé, companheiros
que os mortos estão de pé ao nosso lado.

Roxos de fome, angústia, sede e morte
na solidão
Nada nos importe
senão a aurora que levamos no coração.

Que nos arranquem língua, veias, olhos, nervos
A pele que reste
Não é dos servos
o relâmpago espantoso que nos veste.( Papiniano Carlos)

Conceição
Este poema dedico-o ao teu Tio,homem de causas muito nobres.
Um abraço para ti, certamente tens muito dele.