Viver é ir-se perdendo. Reconhecer que jamais as horas serão povoadas desses acasos que o amor faz nascer nas dobras do tempo. O tempo é a casa do familiar, como se pendurássemos nas suas paredes todo esse manancial de efémeros que queremos que fiquem.
Perceber uma perda - reconhecer que as horas serão necessariamente o que acontece com essa ausência perto de nós. De súbito, perceber que as tardes, os gestos, os dias e as palavras são bóias num naufrágio de saudade.
Olhar em volta e ver os vazios - desses a quem decoramos o tamanho do corpo, com quem descobrimos o tamanho que os desejos tinham só por causa deles. E continuar com eles presos no sangue, sentir os passos recentes da sua lembrança, como se chegados há pouco. Sentir sempre o seu nome escrito na palma das mãos com que se firmou todo o não dito,que foi o que sempre falou mais alto.
Viver é ir aprendendo a amar sem um corpo. Com o volume das perdas, com essa espessura informe que passamos a trazer connosco, percebemos que estamos a envelhecer.
É próprio dos dias mais tenros amar-se com esse amor solar do físico, do certo, do chão de granito em que assentamos o nosso amor e o vamos receber dos outros.
À medida que os dias nos engradecem aprendemos um novo tipo de amor - esse que mora escondido debaixo da pele e que nos prende na carne esse desejo de guardar contra o mundo a prova da nossa humanidade. Envelhecer é ir abandonando o corpo - e recordar a pessoa que mora nos gestos que a nossa pele ainda sente, apesar do tempo. É recordar a pessoa que nos acende o olhar enquanto a chuva inunda de cinza as fachadas dos prédios que achamos sozinhos e tristes.
E, de súbito, já não são os lábios, as mãos e o olhar. É, sim, a pessoa cuja lembrança torna todos os dias como o primeiro. O Sol que nos ilumina hoje é essa justa medida que sentimos na carne quando, pelas ruas, sentimos como o granito do chão, a felicidade de um amor que não acaba.