Há linhas nessas páginas amarelas dos passos do tempo que me denunciam onde se prendeu a tua atenção - páro, leio e descubro que nos encontramos nessa coincidência; que há um espaço onde me encontro contigo, em que me descubro, afinal, revelado nas mesmas linhas que leste há anos - antes de mim, das minhas mãos, da minha pele nascer da tua.
Descubro-te, sempre igual, através do eco do tempo - muitas linhas depois, todas as linhas depois e continuas uma heroína que livro nenhum conseguiu guardar.
Os livros guardam o teu cheiro como as divisões lá de casa, depois de ti. Dizem que voltas, que voltas sempre para te poder ouvir, ao longe, e gostar de saber-te lá.
Todos os livros, todas as palavras e descobri que nada me chega para te dizer - que há um espaço maior do que as linhas e os corpos que as leêm - e esse espaço é o nosso.
Os livros que foste trazendo para dentro das tardes de sol no Verão - o jardim sereno e cúmplice dessas confidências que as palavras te punham no sangue depois de lhes provares o sumo.
Procuro-te nos livros que leste como moradas que tiveste no caminho - sinto-te no eco das palavras que são como passos que deste para longe ou em direcção a ti mesma.
As lombadas suaves e polidas lembram-me o toque da tua mão, enquanto crescia e te contava, nessas horas de conversas longas no colo da areia, as linhas que fizeste ser possível escrever na minha vida.
Os livros e a curiosidade de te descobrir mais - apurar o traço do retrato inacabado que tenho de ti como, de resto, são os maiores amores. O prazer de iniciar cada capítulo da vida contigo - partir para chegar, sempre. Partir para te levar sempre presa no cimento do chão que piso, na luz de um dia de Outono que me lembra do musgo dos teus olhos.
Partir para te ver melhor - surpreender essas lembranças que se desenrolam como um caminho de ferro cheio de estações, onde desci contigo para aprender a renovar a crença no mundo, a ver a beleza serena do desconhecido, conhecer a surpresa e o abalo do encanto que nos nasce da cumplicidade que sentimos com pessoas e lugares.
As linhas que sublinhaste nas páginas são as coordenadas que sigo para contar a tua história, para confirmar tudo o que sempre me contaste.
Enquanto leio o que foi escrito de ti nas palavras dos outros, conheço a solidez da verdade com que te fizeste minha confidente e me mostraste a verdade sobre ti e o teu amor.
O Verão cheira a mar - os nossos Verões vão cheirar sempre a mar, ao descanso que volta aos corpos estendidos nas toalhas de praia. Fechar os olhos, como em criança, e gostar de ouvir as vozes dos avós e da família ao longe. Estão lá e isso chega.
A praia lembra-me sempre de ti - de como gostavas de nos ver correr na areia e te apaixonavas por essas gargalhadas fundas e livres das crianças felizes que fomos.
Os nossos Verões - dias como promessas à espera de se cumprirem sem nunca falharem - esse tempo inteiro e uno.
Lembro na areia os teus passos - sempre por perto, enquanto o silêncio nos servia e tinha a medida exacta do nosso corpo. Até hoje, as palavras servem para ser o eco de uma música mais funda que fomos compondo ao longo do tempo, os dois.
A música, os acordes que nos acompanham no balanço da viagem.
Ver o teu rosto no vidro do carro - espreitar-te o olhar, aprender o que ele diz, surpreender-te nesse instante e gostar de te ver na minha vida. Há um consolo que nunca veio só da luz que nos envolve o corpo - chama-se paz.
Ser testemunha dessa tua forma de amar - admirá-la, ver como contas as histórias da tua família, do meu pai, dessa vida que abraçaste sempre.
No dia dos teus anos falaste-me dos teus - se celebras a vida, é sempre para os recordar, para repisar a pedra que vos fez companheiros em definitivo.
No dia dos teus anos, escolheste os outros - provas-me que a tua vida são as tuas escolhas e a forma orgulhosa com que renovas a fé que puseste nelas.
Procuras-me os olhos na mesa - espero que se ouça o orgulho, que te devolvam os meus olhos, ao menos, uma parte do que deste.
Celebro-te presa na minha vida porque és o pilar que segura o céu - mostraste-me que a face verdadeira do amor se chama liberdade - que só há liberdade nessa escolha de querermos estar presos no que nos liberta, no que nos amplia e nos emudece.
O silêncio é uma valsa que se dança quando se vê no escuro - contigo, as salas soam ao familiar, ao percorrido, ao conquistado.
E só contigo me serve o silêncio, porque contigo nada me falta.
Em silêncio, desejo-te na minha vida. Baptizo o teu nome com essa admiração que se fez maior com os dias.
Da tua vida, do teu caminho, do teu rosto saiu a massa que te traz dentro e que sou eu. Moras em mim - sou um livro que tem o teu nome sublinhado com caneta permanente, um livro que se lê melhor com o som do mar e que fez do silêncio o altar onde pousa o teu nome que digo sempre sem precisar de o dizer.
Os livros, o mar, a música.
E tu, mãe. Sempre.
Parabéns Mãe.