Rewind

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

politicamente incorrectos.

Fazer política em Portugal é, por estes dias, usar os media como um qualquer momento de terapia em grupo - veja-se o nosso PR e PM, dois bons exemplos desse desabafanço colectivo em directo que inunda as manchetes e as conversas dos mais incautos espectadores da cena política nacional.






O PM aconselha os jovens portugueses a trocarem de país - quase somos levados a acreditar que a recente chegada de capital chinês, levou o ilustre senhor a aconselhar os jovens a impulsionar cá esse maravilhoso modelo económico que assenta na exportação de população.






É bom exportar, senhor primeiro ministro, bem o sabemos. Agora não é bom passar um visto de saída a camadas da população como se isso fosse um "brinder", como se diz por aí, daqueles que se oferecem numa qualquer grande superfície. Ser-se português, gostar de ficar em Portugal não devia ser uma questão de oportunidade - se queremos que se exalte o amor ao que é nosso, devemos começar por arranjar lugar aqui para aqueles que, por gostarem um bocadinho disto (parecendo masoquismo, às vezes), serão os mais empenhados em levar isto para a frente.






Falar com pessoas, falar-lhes de uma realidade que elas conhecem e sofrem na pele, mais do que qualquer político por elas mandatado, não pode ser uma laracha lançada como verdade universal e inelutável por um conjunto de pessoas que, há uns bons meses atrás, enchiam directos com um tom ligeiramente mais inflamado com slogans em jeito de parangonas com cores de néon-esperança.






Sabe, Sr PM, por aqui gosta-se de arrojo, gosta-se de um Estado mais magro, sem que a magreza lhe roube as forças para fiscalizar e punir abusos calóricos cometidos em ilhas quentes off-shore e demais episódios assustadores que nos temos vindo a habituar a ver como sinais da suposta modernidade, como suposto produto da vocação reformista que tem caracterizado boa parte dos últimos tempos da democracia em Portugal.






Os políticos podem, hoje, parecer dandies - fica bem um fato bem cortado e uma gravata que não pareça vinda de uma ida a banhos, mas de clorofórmio. No entanto, não podem esquecer-se que devem, mais do que tudo, mobilizar o colectivo e não desancar forte e feio em tudo quanto seja réstia de esperança.






Fazer política não é ter uma conversa de café com os cidadãos - essa massa informe que escuta os discursos políticos são pessoas - e as pessoas são tramadas, Sr. PM. A cidadania faz-se, saiba-o o senhor, dessa coisa etérea e inefável chamada esperança. Sem esperança é como se o futuro fosse roubado do contínuo do tempo. E isso não é bom.






Explicar as coisas às pessoas é dizer-lhes que os sacrifícios, mais do que necessários, servem o propósito de tornar as coisas melhores, com mais sentido - esse que é o de, no fim de contas, ter cidadãos bem servidos.






Não se pode ter Serviços Secretos como uma espécie de força oculta, desgovernada e que ninguém sabe a quantas anda e, pior, a mando de quem. Não se pode ter a Maçonaria como um hobby de alguns como um fantasma nas decisões que afectam todos.






Os políticos correm o risco de perder o apoio, quando a sua legitimdade periga - e, num pântano desgovernado, o tom errado ou uma frase despropositada, podem ser o rastilho que anuncia o princípio do fim.






Em Belém mora esse Presidente-do-tacho-ao-lume, o Sr. Silva - os seus mandatos têm oscilado entre o papel de chefia do Estado e o de um qualquer idoso a desfiar queixumes numa tarde soalheira, num banco de jardim.






Não se governa dia sim, dia não, sr. PR. A governação é uma coisa dinâmica que não se faz apenas quando o betão ajuda a firmar um percurso político. Aliás, Sr. PR, se já não tem o betão, a retórica foi uma coisa que nunca teve como aprendida.






E, ultimamente, mais se não vê que larachas - sim, larachas sobre vacas que sorriem, larachas pseudo-motivadoras no discurso de Natal a uma Nação que definha, larachas sobre como é heróico optar pelas reformas que acumulou do tempo em que as vacas eram gordas, mas só sorriam a alguns.






Cavaco tem sido uma decepção - mudar o país não faz parte da sua agenda e, verdade se diga, a inacção não pode ser justificada com uma literal leitura das competências que lhe cabem.






Nenhuma Constituição proibe ou diz como não se deve cair num discurso demagógico e ridículo. O pior de tudo, bem vistas as coisas, é pensar que o seu tom é sincero - quem o ouve pensa, afinal, que os sacríficios são só maus quando lhe doem e que o estoicismo que pede a uns é missão que não é sua.






Pois Governar, se é de legitimidade que falamos, é renovar essa mesma legitimidade a cada momento -ela não nasce de um qualquer método electivo e fica por aí. Os media servem para muita coisa má, mas tornam a demagogia numa coisa flagrante e ruinosa.






O politicamente correcto não é bom, mas o politicamente incorrecto - essa incorrecção descarada do queixume mimado é uma coisa feia de quem só parece saber governar quando tudo são sorrisos - os das vacas e não só.






A adversidade é um teste à eficácia das soluções e dos sistemas, mas também, isso sim, uma forma de nós portugueses deixarmos de ser como "vacas a olhar para um palácio (de S.Bento ou Belém)" e começarmos a mostrar que, em tempos como estes, as vacas magras não estão para sorrisos.






E ainda bem.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

parabéns, Avó.

Nasceste para mim como a minha própria vida. Desconfio que o meu sangue já te trazia nesse eco que nos puxa de encontro ao mundo pela primeira vez. Recordo-te no fundo de todas as coisas - o traço fino do teu carácter a acentuar a beleza, a amparar a dureza, a compensar desaires, a consertar o desalento com esse discurso inteligente e luminoso que herdaste das paredes da casa que te fez e que permanece na casa que tu és, sempre, para os que te faltam.


Falamos os dois com esse despudor que nos fez sempre cúmplices - ouço-te para me maravilhar com essa inteligência que fica presa nas palavras que me envias, para me orgulhar do sentido que puseste na tua vida - nesse caminho em que a tua vontade foi sempre um lugar de aconchego para todos nós. Os teus desejos, como o teu nome, têm sempre aqueles a quem mais queres.


És para mim uma espécie de vício - sempre o foste, com esse azul brilhante dos teus olhos como um altar de luz, como um cristal fino e delicado.


Hoje foste ver o mar - o mar que descobriste cedo na infância e que sempre procuraste para te brindar com calma e esperança e para ouvires o silêncio que a luz leva no colo.


Celebras hoje a tua vida - eu, enquanto partilhas na mesa do chá as memórias que te alimentam, reparo que a minha vida se confunde com a tua voz pelos corredores, com a minha memória de ti a cuidares das inúmeras flores no jardim, contigo a desejar entrar nas nossas vidas e viver nos tempos de hoje. Contigo mais feliz porque me tinhas para ir ver os pássaros, para voltar contigo ao espaço da tua infância, para caminhar nos tempos das férias na praia com o teu braço preso no meu. Admiro-te com essa força que se expande até ao limite dos ossos e nos faz conhecer uma outra escala para os afectos e as memórias.


Rio-me contigo - conto-te coisas que me ficaram do que passou, falo do avô e prometo-te caminhar sempre de braço dado com o vosso exemplo.


Ter-te conhecido - saber-te por dentro, ter testemunhado essa avalanche de força, de perspicácia, de valores feitos rocha dentro de ti, emprestou à minha vida um céu mais alto, um sol maior e uma noite mais curta.


Fez de mim um elo nesta cadeia de pessoas que vive debaixo desse abrigo que são os afectos que o tempo não pode apagar.


Falamos do teu pai e da tua mãe, dos teus avós, dos teus tempos de colégio e dessa casa cheia de gente que te brindou com carinho e sorrisos francos e abertos e te despertou o peito para os seus exemplos.


Essa atenção extrema aos teus - és uma artífice da memória - e contigo aprendi esse vício de aperfeiçoar o retrato daqueles que subsistem em nós como que a provar que os afectos são o testemunho da nossa vocação e chamamento para a eternidade.


Espero que o teu nome esteja sempre perto do meu - pensa na minha vida como uma longa missiva a ti dirigida, um eco de mim que te chegará sempre onde quer que estejas. Só assim me sinto ser eu - a pessoa que baptizaste com a luz dos teus olhos e a certeza de que virias.


Foste uma companheira - para mim e para todos a quem abriste o teu coração.


Sei que lugar me deste nele - e que lugar se tornou a minha vida depois disso.


Retribuo-te com a certeza que a minha vida seria maior, se desse metade dela para poderes viver outra vida comigo - tudo do ínicio, tudo outra vez - essa descoberta do que trazes cozido na carne para, no fim de tudo, saber que os nossos nomes moram juntos nessas casas que, eu e tu, nos tornamos para a nossa história.




Parabéns, Vovó.