Rewind

sábado, 27 de dezembro de 2014

vestidos de amor,

amor, foi só contigo que o silêncio foi todo pele.
 
a sério, acredita em mim.
 
lembro-me muitas vezes do meu corpo inteiro vestido de ti - a tua boca a abrir-me o sangue, os teus olhos guiando os meus para dentro do lugar onde a vida começa e as tuas mãos desenhando-me nas costas razões para ficar.
 
R.,
 
diz,
 
sinto-me toda vestida de amor, sabes?
 
penso nisso até hoje, amor.
 
amar é descobrir, de repente, que a pele do outro nos serve, que cabemos inteiros nos braços que nos escolhem, que encontramos finalmente no outro um céu até onde o chão deseja, de súbito, levantar-se.
 
lembro-me das minhas mãos a vestirem as tuas pernas - devagar, os dedos todos querendo servir de rastilho e a minha boca a apertar o silêncio junto ao teu pescoço doce e quente.
 
vesti o balanço do teu corpo e fui mar - ondulavam longe as horas da noite, o mundo era uma página em branco e eu quis escrever contigo, várias vezes, as estrofes longas do poema que transpirámos no escuro.
 
o silêncio todo feito de pele - uma frescura repentina de primavera que nos despe depressa, um súbito encontro de bocas afogadas no silêncio que grita dentro das duas e essa vontade de que haja uma cama perto do céu em qualquer lugar.
 
lembro-me de dançar contigo debaixo de um candeeiro numa rua de que não lembro o nome.
 
dessa noite, como das outras, lembro-me de que como o silêncio era a melodia perfeita para o encontro das nossas mãos, para a nudez dos nossos segredos.
 
às vezes, amor, julgo ter-te amado mais pelo que não te disse.
 
sei que te irias rir disto - os meus poemas deixados no assento do carro, escritos no espelho do quarto, dentro de um livro faziam-te sorrir. e tu gostavas deles, eu sei.
 
mas o amor não tem pontuação, precipita-se, tropeça e, às vezes, não rima.
 
sabes disso, não sabes?
 
no silêncio, enquanto os meus olhos vestiam o poente em brasa da tua pele, julguei-nos eternos.
 
em silêncio, fui sempre teu, em silêncio nunca me perdi.
 
deito-me contigo numa sala cheia das coisas que já não precisamos de dizer.
 
rimo-nos os dois, muito.

sabes, as maiores verdades quis escrever-tas com a pele.

em silêncio, estamos realmente nus e a nossa boca pode aprender como se diz o outro.

em silêncio, tive uma boca em cada bocado de mim e quis aprender a pronunciar-te sem pressa.

todo o amor é como um segredo que nos contam e se guarda - e quem o ouve, cala-se para sempre.

chega aqui, amor.

anda lá,

tenho um segredo para te contar.

[não demores.]

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta,

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta.
 
retomemos, se quiseres, as conversas noite dentro - a tua pele um firmamento arrepiado com o desejo sempre em quarto crescente.
 
prometo demorar os dedos nas frases sem sentido que a tua boca deixa na minha.
 
prometo, amor, que esquecerei os versos breves e que não haverá silêncio dentro dos braços quentes destas paredes.
 
anda lá, sei que guardaste alguns dos meus abraços, alguns dos beijos longos com que te acordava de manhã. talvez estejam metidos dentro de algum dos teus livros, dentro de uma das gavetas da mesa junto à janela.
 
diz-me que vais procurar, diz-me, ao menos, que te lembras onde guardaste os poemas, onde ficou a pele das mãos toda escrita com promessas de saliva e sonho e que te recordas, amor, da distância que enterrámos todas as vezes na cama desfeita de manhã.  
 
voltemos, amor, à minha barba grande demais e à tua gargalhada quando andava cheio de sono pela casa.
 
vá lá, não sejas assim. 
 
eu depois levo-te a ver o mar e prometo adormecer no teu colo enquanto passeias ternura na curva do meu pescoço.
 
voltemos, se quiseres, às feridas e à tristeza - desta vez, não saias tão depressa, fica. desta vez, eu arranjo maneira de dizer
 
desculpa.
 
(a tempo) 
 
a tempo de ser ainda tempo de te segurar as lágrimas e de sentir um sorriso na tua língua dentro da minha boca.
 
sabes, amor, a tua ausência é como uma rua nova aberta agora - uma clareira de solidão dentro do hábito feliz que era ir buscar pão quente, que era ir comprar-te flores ao mercado perto de casa só para te ver sorrir numa manhã de sábado preguiçosa e doce.
 
sabes, os meus sonhos já tinham encomendado mais uma série de dias bons - a sério, é lixado ter que agora devolver uma série de jantares, uma série de boas noites passadas juntos, umas quantas idas ao cinema e, de certeza, amor, que não arranjo quem goste tanto como tu do cheiro da minha pele, da cor dos meus olhos ou do calor das minhas pernas.
 
percebe, querida, que sou guloso - chamei o futuro com as letras do teu nome e imaginei que era nos teus braços que me iria esquecer de conjugar a dor da partida, da separação e da saudade.
 
agora estou tramado e tenho aqui uma série de sonhos à espera de serem vividos, uma série de coisas boas que queria que viesses ver.
 
hei de falar-te, se deixares, da vontade que o meu corpo tem de se esconder contigo dentro da cortina de um banho quente; hei de te mostrar como a minha barba está mais curta só para o caso de te apetecer encostar em mim o teu corpo cansado ao fim do dia.
 
preciso, amor, que venhas dar carne ao meu sonho, por favor. sabes, a minha memória não sabe mover os dedos como tu fazias e desconhece, coitada, a arte do improviso que é tão essencial ao amor.
 
por isso, te falo, por isso, te escrevo. 
 
desta vez, antes de saíres, vou dizer-te
 
desculpa
 
[e talvez nem acabe a palavra porque os meus lábios vão de certeza querer agarrar-se aos teus.]
 
procura bem, amor.
 
nas gavetas, nos livros, na tua pele, no fundo dos teus olhos.
 
espero por ti no jardim junto ao mercado.
 
mesmo que não seja sábado, eu levo flores.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

algumas coisas vão ser sempre assim,

sabes, R., algumas coisas vão ser sempre assim.
 
o teu postal no correio de manhã.
 
a tua caligrafia alinhada como uma paisagem onde mais do que palavras, eu pude ainda reconhecer tanta coisa.
 
falavas do mar, falavas-me de livros e de cinema, perguntavas como estava.
 
de ti, dizias só que tinhas saudades.
 
lembro-me da nossa pele e de haver restos de poente nos teus olhos.
 
lembro-me de te ter ensinado a gostar de escrever postais e de ser Verão e haver no mar um rumor de espera e de mistério.
 
lembro-me do teu sorriso, das nossas mãos dadas e de encontrar, de repente, o teu nome escrito no lado de dentro do peito. 
 
R., algumas coisas vão ser sempre assim - o ser Verão e apetecer-me um vestido curto e que sejam os teus olhos a tirar-mo devagar.
 
és tramada, menina - há coisas que não cabem num postal.
 
a saudade, às vezes, é quase um postal que nunca se enviou, são os silêncios em que as vírgulas se dobram a pedir futuro e isso, amor, pode ser perigoso.
 
o teu postal no meu correio, o teu nome na minha caixa de correio como se viesse apenas para olhar-me os olhos e deixar-me um arrepio fundo na pele do pescoço.
 
ler-te foi segurar, de novo, nas minhas mãos a tua boca.
 
ler-te, amor, foi imaginar que os meus olhos se abriam dentro dos teus sonhos outra vez.
 
o teu nome a chamar pelo meu - tenho saudades.
 
do teu nome vê-se o mar, as horas atrasam-se para que cheguemos sempre a tempo.
 
ri-me ao pensar que me acabavas de enviar um postal.
 
também eu me lembro de ter nos olhos umas mãos que te queriam sempre.
 
também eu trago na boca o teu sabor como um Outono em que não caem as folhas todas.
 
 
um postal como um lugar mal iluminado onde viesses apenas para me roubar um beijo.
 
sabes, amor, tenho pensado na resposta.

e talvez seja melhor voltares só para me ensinares como raio se responde a um postal de amor.