às vezes, amor, há demasiado verão quando estamos juntos.
escuta, não te rias, que é verdade.
amar-te foi tirar aos olhos todos os limites, aprender em que verbos a minha língua me sabia mais a ti e, de repente, não ter onde ficar.
amar-te foi como sair de casa - assim, cheio de pressa, assim cheio de promessas como vésperas de dias que sabemos vão ser bons.
achei, amor, que os teus olhos seriam uma boa morada.
o meu nome num envelope e, como uma janela aberta onde a saudade não doa, os teus olhos - essa morada onde os espelhos me mostravam melhor.
depois, as tuas mãos sempre todas cheias de mim - da minha boca, dos bocados da minha pele em que ainda havia noite e os instantes eram perpétuos como sonhos.
ainda, o haver raios de sol nas palavras que antes eram apenas corpo, mãos e boca e olhos.
depois, haver um incêndio em todos os verbos que antes eram somente sílabas cosidas à espera de ti.
tens medo, dizes tu, que a tua pele não me chegue - sabes, amor, ponho sempre uma vírgula nas bordas do teu corpo e os versos que escrevo continuam e usam a minha pele como um rascunho de ti.
nisto, houve sempre verão ou tu não podias andar sempre nua e as janelas estarem sempre abertas e não precisarmos nunca de cobertores.
nisto, houve sempre verão ou eu não podia sair em calções à rua só para te ir buscar flores, arranjar alguma saudade e trazer quente a pele dos dedos todos que te dei.
ofereço-te os meus dedos como quem oferece umas flores que trazem nas pétalas suor e desejo.
tu rias-te e havia verão nesse sorriso também - era um sorriso como uma dança numa estrada deserta - como se viéssemos de mão dada do futuro.
nisto, houve sempre verão e o amor foi como uma boleia que apanhámos os dois.
sem o sabermos, no banco de trás de um acaso muito feliz, fizemos um desvio.
mas, amor, o verão acaba - por enquanto, não vás dançar para a estrada e fecha as janelas.
eu arrumei os calções na gaveta do meio e vou pôr um cobertor na cama.
vem, amor, que a minha pele não me chega e preciso de virgular em ti todos os meus versos.
anda lá.
eu prometo-te que, mesmo debaixo de um cobertor, há de haver verão.
senão não andávamos os dois nus
e os meus versos não trariam tanta luz.
RM