Mãe,
ouvir-te ficar, Mãe -
o teu amor com passos doces e braços enormes como janelas
os teus olhos como parapeitos de luz e de esperança
e o silêncio em que te digo com a pele o que me falta
ouvir-te ficar, Mãe -
tu que entras sempre devagar
não sei bem como, mas arranjas sempre a chave
e vais entrando,
o amor, de repente, é um filme que vemos os dois no sofá
ou um café improvisado em que me dás a mão mesmo antes de eu sair para a rua,
os carros passam, Mãe,
tu ficas a sorrir-me do lado de dentro do vidro
e eu repito em todos os vidros de todos os cafés o nosso encontro
como num espelho.
ouvir-te ficar, Mãe -
e eu que sei que nem sempre o meu amor é como o teu
e tu continuas,
insistes,
não pedes nada, Mãe,
um fósforo, de repente, acende as letras do nome de tudo
tu sobes o vão da minha escada todas as vezes
só para me ensinares a soletrar esperança no vapor do vidro das janelas.
ouvir-te ficar, Mãe,
os teus dedos a agarrarem-se aos meus
mesmo antes de eu ir para rua
tu que ficas a sorrir-me do lado de dentro do vidro num café
e eu que repito em todas as montras de todos os cafés o nosso encontro
só para saber qual o caminho,
que a casa é perto
e isso chega.
RM| XXX-IV-MMXVI