às vezes, a saudade é um lugar errado
onde fica tudo o que foi certo
descendo, devagar, vejo
a tua caneta parker
o teu porta moedas
e a tua boina no sofá
e a saudade é um lugar errado
debaixo de um poente repetido onde faltas tu
mas eu vejo, ainda
a tua primeira fotografia comigo quando nasci
no dia em que faço 29 anos,
olho-a de novo
que lugar tão cheio de coisas certas
que doem
que faltam
que falam
sabes,
às vezes, demoro-me nos lugares errados
pego-te na caneta parker e escrevo o teu nome
uma, duas, três
todas as vezes
e o teu nome é uma árvore ou um pretexto de sonho
e a tinta não me acaba nunca.
sabes,
às vezes, pego-te no porta moedas
e roubo-te uma moeda
só mais uma hora, senhora saudade, por favor
e o parquímetro pára de nos contar a distância.
sabes, nas vindimas pego-te na boina
e fico a olhar o verde da esperança que ter-te tido me deixou
e a boina, mesmo pequena, serve-me, outra vez.
serve-me a boina
há tinta na caneta
e uma moeda para mais uma hora nesse lugar errado
onde ficou a coisa mais certa da minha vida
que és tu.
[Saudades, Vovô.]
RM| XII -VI - MMXVI