para que seja uma casa, mãe,
que fiquemos os dois
sempre os dois
nessa ausência completa de nomes
nesse tão honesto conforto do amor
eu, de t-shirt branca numa varanda qualquer
tu, com um cigarro que nos ouve aos dois noite dentro
para que seja uma casa, mãe,
que fiquemos os dois
sempre os dois
nos sublinhados dos livros que trocamos
nas gavetas que enchemos de coisas nossas
eu, tantas vezes esquecido de te agradecer
tu, em todas elas, inventando abrigos nas ausências
para que seja uma casa, mãe,
que fiquemos os dois
sempre os dois
nessa longa insónia de luz
nessas flores que persistem sem as regarmos
eu, cruzando-me contigo nas escadas e sorrindo
tu, acenando do lado de dentro da porta do prédio que se fecha
para que seja uma casa, mãe
que fiquemos os dois
sempre os dois
e, se ao cruzar-me contigo, não te disser que te amo, mãe
lembra-te que o bilhete do autocarro que trago no bolso dá para ir sempre até onde tu estiveres e espera por mim.
Obrigado.
RM| XIX-XII-MMXVI