Papá,
O tempo voa mesmo, velhote.
Tu, aos meus olhos, ainda assim, permaneces o mesmo - nós, está visto, não te deixamos envelhecer,
O nosso Bi, o filho do Sr. Mesquita, o Papá,
E, todas as vezes que assim te chamamos, o meu coração julga que o tempo suspende a sua respiração, que as coisas podem simplesmente ficar assim - como uma mobília que definitivamente traga flores em todas as jarras para sempre.
Nasceste de um parto longo e difícil - quase uma semana de dores e sofrimento que fizeram a Vovó e o Vovô recearem o pior. Felizmente ficaram os dois.
Eu, parvo como tudo,
Oh Vovó, o pior de tudo seria eu e o A. não termos nascido, não achas? Já viste o que terias perdido?,
E a Avó ri-se enquanto me abraça.
Nunca te conheci longe da família - foste sempre o filho em quem mais o Avô confiou - o homónimo -; foste sempre quem melhor satisfez as vontades da Avó; o sobrinho preferido e o companheiro e confidente mais presente de uma viagem que, ainda hoje, continua.
E os Avós sabiam disso e sempre mo disseram.
Um dia, agradeci-te,
Papá, obrigado por teres salvo a vida à Vovó e ao Vovô várias vezes - no fim, a vida triunfou e pude ser deles e eles meus - e isso foi tanto.
Folheio os teus álbuns da Guiné - fotografias que, se falassem, me diriam que, nessa altura, o cabelo da Avó ficou todo branco; que o Avô sempre acreditou que voltarias para eles e para nós - que haveria um futuro onde nós te esperávamos, embora não o soubesses ainda.
Um dia, perguntei à Avó, deitado na cama onde nasceste,
Vovó, porque amas assim só o Papá?, e disse-lhe que nisso éramos iguais - eu e o A., como ela e o Avô, só conhecemos esse tipo de amor que é um fanatismo, uma entrega absoluta, uma existência ampliada apenas por termos o coração emprestado inteiro ao nome dos que amamos - e não amamos todos, diga-se.
E, antes que a Vovó respondesse, atirei,
Imagino que, quando o Papá esteve na Guiné, tu só pedisses a Deus que ele voltasse - dentro de ti, desde que ele voltasse, tudo teria emenda, tudo se perdoaria, tudo ficaria bem.
E ela,
Como sabes, pequeno?,
Eu, Milinha, conheço-te tão bem que, pela minha boca, tu julgas, às vezes, quando me ouves, que eu nasci muito antes, que vi tudo, que sei tudo - e, de facto, quando se ama como eu vos amo, quase se vê no escuro - no fim de contas, o amor sempre acenderá as velas do tamanho certo para que a luz engula o escuro de uma vez.
Entre nós, Papá, eu o A. sempre te falámos com verdade - mesmo que doa, mesmo que custe, mesmo que todos soframos mais por causa disso, a verdade é o único chão e cimento do verdadeiro amor.
Tu sabes que, no A., o teu Pai continua vivo - e cada vez mais - e, que, em mim, também só houve sempre a vontade de manter este círculo fechado em que a felicidade sempre existiu.
Digo, a rir-me, à Avó, ao explicar-lhe que, para mim, só por vocês é que há amor,
Eu faço parte de uma família e não de uma tribo!,
Rimo-nos os dois - ela sabe que o que eu quero é mergulhar de cabeça em cada um de vocês e levar - porque levo - mais amor que todos eles, mais tempo, mais verdade, mais intimidade, mais perdão, mais felicidade e é isso que me basta.
Por isso, velhote, antes que o tempo passe todo, lembra-te de que a verdade é sempre a maior prova de amor que sempre te demos.
Com ela, haveremos sempre de arranjar uma forma de ficarmos todos juntos.
Obrigado por tudo.
Também eu fiz um pacto há muito - desde que vocês cá estejam, tudo se arranja e, seja qual for a guerra, só pode haver um futuro que nos leve a todos de mãos dadas.
Parabéns, Papá!
RM|XXII-IV-MMXVIII