Rewind

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Vovó,

Milinha, 

Há cartas que a vida nos deixa escritas nos exemplos que encontramos pelo caminho. 

Desde pequeno que vivo maravilhado com tudo o que te diga respeito - o amor começa, conforme já disse, com o espanto. 

Que era isso que tu trazias dentro de ti, isso que tu não conseguias deixar de dar, que vontade infinita de bem era essa - a que te fez, sempre e sempre, maior do que tudo?

És a mais perfeita das cartas - há em ti, até hoje, uma caligrafia segura e firme, conheces uma gramática em que se conjuga a luz e o amor como ninguém e és sabedora de um idioma desconhecido das pessoas comuns, dos que apenas existem, dos que olhando, nunca vêem realmente. 

Mais tarde, pude perceber que eras uma carta dirigida a mim - que raio teria eu para que, todos os dias da minha vida, eu sentisse que me procuravas, me desejavas futuro, que me escolhias e querias ficar?

Até hoje, por tudo isso, só quero merecer-te. 

Penso em ti cada vez que o meu coração se aperta e, tal como tu, acredito que o passado não pode ser esquecido. 

A brincar, como te disse outro dia, somos duas casas assombradas - o passado, para nós, é a morada de todas as nossas certezas, o tempo em que as horas nada eram senão alegria e esperança no ventre doce da felicidade. 

No meio do escuro, o meu coração alegra-se quando me pedes,

Posso dormir em tua casa hoje?,

Tu sabes que sim - que, como te prometi, quando quiseres fugimos os dois - voltamos à Aparecida do Avô António e da Avó Maria do Carmo, do Avô Arnaldo e da Avó Maria da Conceição - quero, já te disse, que mos desvendes. 

E tu levas-me, pela mão, ao tempo que veio antes de mim.

Falamos sobre tudo - há, minha Milinha, uma nudez cómoda entre nós.

Fico ainda mais feliz quando me dizes, 

Tu e o teu irmão são as únicas pessoas em quem confio.

Vou amar-te sempre, minha luz.

Abro com um espanto imenso, até hoje, a carta que o teu amor me deixa.

Que carteiro te enviou para nós? - outro dia, o A. chamou-te "o nosso pequeno milagre."

Tu perguntaste-me,

Estás triste, meu amor?

E eu respondi-te, 

Milinha, quem pode estar triste com uma Avó como tu?,

Abraçaste-me longamente 
- e eu sou daí. 

Como uma carta. 

Como alguém que, finalmente, chega onde é esperado. 

Obrigado por tudo, em todas vezes. 

Beijos mil, 

R. 

XXIII-VIII-MMXIX

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