«L’amour n’est qu’une extrème attention».
Jean-René Huguenin
2019 não foi fácil.
2019 foi o ano em que muitos mais anos morreram - o futuro, tal como sempre o quis, morreu ou esteve perto disso, muitas vezes.
Comecei este ano a dizer adeus ao meu Padrinho - a maior prova que tenho de que a família é quem, como somos, nos reconhece sempre.
Este foi também o ano do,
O seu Pai talvez não passe da hora de almoço,
E essa frase ser, até agora, como um veneno no sangue, uma lembrança crua de que todo o amor é um sonho sobre o abismo, de que há, de uma hora para a outra, que não deixar que o sangue passe num coração que dói.
Só me lembro de que era Verão - de que, entre as idas ao IPO, em 2019, não fui nadar uma única vez, não mergulhei no mar, não houve sal na minha pele - só nos meus olhos.
Foi com o meu Pai que aprendi a nadar e, nesse Verão em que, até à hora do almoço, o meu Pai podia estar morto, eu só me lembrava,
Rica, nada sempre paralelamente à costa. Tens mesmo que saber boiar. Todos os nadadores sabem boiar para descansarem,
E eu a ser, de repente, atirado para fora de pé.
2019 foi, também, o ano em que o meu Pai se salvou e em que eu fui, muitas vezes também, salvo.
Salvou-me o meu irmão,
O Papá, se morrer, não conhece os netos, A.,
E, de repente, o meu irmão ter-se tornado o pai do meu pai - que medicação tomar, como falar com o médico, como mostrar os dentes quando é preciso, como saber tudo sobre terapias, estatísticas, taxas de sobrevivência do cancro do pulmão, efeitos secundários, vitaminas, suplementos alimentares, botijas de oxigénio e tudo quanto fez do Né, uma vez mais, o melhor de nós os dois.
Há dois anos que o meu irmão me poupa e, há dois anos, que é ele o meu colete salva vidas.
Salvou-me, igualmente, a nossa Gó com a luz do seu amor. Em Novembro de 2019, não a pudemos salvar nós.
2019 foi, por isso, o ano em que voltei a ir espreitar o recreio da creche, a passar em frente ao muro que resta do que foi, outrora, a minha escola primária,
Meninos!,
E saber, com uma certeza de granito, que ela é mais minha do que muita da minha família e que, graças a ela, conheci um bem que não cabe nas palavras deste mundo.
2019 foi o ano em que os telefones que tocaram me assustaram sempre.
Passei a adorar um dia absolutamente banal,
Que se passou?,
Nada,
Em 2019, não fui uma única vez ao teatro, não matei finos com amigos, em frente ao mar e disse que não a demasiadas coisas que queria muito ter feito.
Salvaram-me os livros e os filmes, claro.
E salvaram-me os outros - amigos que, sem o saberem, me relembraram de que não estava esquecido, colegas que me perguntavam,
Doutor, está tudo bem?,
2019 foi, aliás, o ano em que senti que há gente demais a tratar-me assim - devo aceitar que cresci?
Doutor uma ova! O meu nome é Ricardo!,
Salvaram-me a minha Avó e a minha Mãe - tecto, chão e luz da minha casa.
E salvou-me, também, a dor dos outros - 2019 foi o ano em que alguns colegas - detesto a palavra, porra. - quase partiram. Tudo correu bem e estivemos juntos num jantar de natal em que, em silêncio, só pedi que cá estivessem todos comigo para o ano.
Outros, infelizmente, não viverão em 2020 - para esses, onde quer que estejam, um abraço apertado e deles, para sempre, a lembrança dos abraços que recebi.
2019 foi um ano de novas amizades e de reencontros.
Tenho esperança em 2020 e de que Alguém saiba o que faz.
2019 foi um ano de boas conversas, mas, sobretudo, de melhores silêncios.
Fui sempre atento aos outros - gosto demasiado de observar os outros e, por isso, fixo-os como a verdadeira paisagem do mundo.
Há uns anos, por graça, quando me perguntaram,
Vícios?,
eu respondi,
Gente,
Em caso de dúvida, pergunto sempre e espero a resposta,
Está tudo bem?,
Mas nunca está tudo bem, minha gente.
Cuidem dos vossos e
lancem-se para fora de pé, se puderem.
Quem nos ama, jamais nos deixará náufragos e sozinhos.
Um abraço,
- R.
RM|XXIV-XII-MMXIX