Os teus olhos azuis amplos e claros como o sol numa das manhãs de Agosto, em dia de romaria. Esse azul puro como a luz que arrasa todas as sombras do caminho.
Sempre te fixei os olhos - a tua face a envelhecer lentamente, a pele a dobrar-se ao sabor do que a vida nos acende no rosto. O tempo passa - já não me seguras a mão na rua e é hoje a tua mão a caber inteira na minha. E seguro-a com esse medo súbito de quem finalmente percebeu que não estamos à prova de nada; com essa vontade de que pudessemos sempre segurar a mão um do outro.
Contigo descobri que o amor pode ser cego - que o amor é difícil; é feito dessa pedra incerta do caminho da vida. Que a cegueira do amor cega tudo o que nos torna falíveis e reconhece sempre na carne os laços que nos trazem presos uns aos outros.
Essa luz nunca se apagou. Resistes inteira e guardas-nos a todos como pedaços dos jardins de que sempre gostaste.
Hoje disseste-me: "Eu quero sempre a minha porta aberta". E sei que nunca perderei essa vontade de subir as escadas a correr e encontrar o lugar onde mora o corpo perdido da minha infância e que pareces guardar no fundo do cristal dos teus olhos.
Vi a luz dos teus olhos tremer: chegou do fundo da tua memória a figura do teu pai a quem dizes que muito fui buscar. Saiu de ti uma dessas verdades bonitas e límpidas como o orvalho na erva rente aos muros das quintas: esse amor que guardas dentro de ti como se o teu corpo te inundasse das memórias que te mantiveram viva.
A tua memória parece falhar e chega o medo. Apetece-me dar-te a mão. E segurá-la para que nada te aconteça. Peço que tudo passe. Que cheguemos inteiros ao outro lado da rua.
Procuro os teus olhos azuis- esses que abrias muito para saberes se te mentia quando era miúdo. Nunca te consegui mentir. E temo que agora me adivinhes o tamanho da sombra que permanece enquanto tudo não passa.
Nunca se deixa realmente de precisar que nos segurem a mão.
E lembrarei hoje e sempre os teus olhos azuis. Esse pedaço de céu na minha vida. Essa luz imensa e funda que a noite nunca engolia.
Guardas na palma da tua mão os anos que a vida demorou a agigantar-me o corpo. Eu levarei na minha o que uma vida toda não chegará para esqucer.
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