Rewind

terça-feira, 30 de agosto de 2011

do silêncio.

O amor fala-nos e chega-nos no colo desses momentos que gravamos como as metáforas mais perfeitas da nossa vida. Cresci muito habituado às palavras - a pegar-lhes como a dar voz ao compasso do coração, a essa vibração do mundo que nos faz sempre mais vivos e inteiros.





As palavras são como o chão que fica depois de sentirmos que na vida não há muito mais a perder.





Mas, hoje, sei que o amor tem uma face diversa - que existe no corpo das coisas e dos gestos muito mais do que na linguagem com que os possamos chamar para recordar.





O meu avô ensinou-me o valor do silêncio como aliado do carácter - quando me segurou a mão e me olhou pela vida e pelo futuro eu soube que toda a linguagem não esgota os desejos que ele fez seus para me dar embrulhados de dedicação e companhia.





Há momentos tão perfeitos que as palavras são como a sombra de uma luz imensa a que não se conseguem comparar.





Aprendi com a minha avó a magia eterna dos olhares - há no seu olhar azul imenso essa ternura que lhe ilumina o sorriso. Fui muito mais cúmplice dela nesses momentos em que a senti saber-me inteiro e não ser preciso dizer mais nada.





Estes dias agarrou-me e ficou coberta pelo silêncio enquanto eu sabia que lhe doía o irmão que não consegue deixar ir. No meu sangue como no dela, nasceu esse apelo da carne que nos faz sofrer porque um de nós está no fim.





A minha avó nunca teve um amor do tamanho da vida - e talvez esse seja o verdadeiro nome do amor.





E eu disse-lhe, com esse estar com ela no jardim num abraço, que não havia outro lugar, não havia outra pessoa que eu quisesse mais. Não usar palavras é como acreditar que o mundo se esqueceu de nós e até acreditar que os seus desaires não nos podem escolher e encontrar.





O filme da minha vida podia ser um filme mudo - o silêncio é um privilégio que assiste aos que fazem da vida um voo que não tem medida.





A minha mãe ensinou-me o gosto das palavras e a não ter medo de as usar. Mas uma pessoa como ela, como todas as que tive, fazem da linguagem uma ínfima parte do lugar aonde elas me fizeram chegar.





A linguagem não foi feita para descrever a sua desnecessidade - e é isso que é o amor.





Com poucos na vida, o corpo pode estar vestido de silêncio para melhor se ouvir a alma.





A imagem do meu avô é um infinito pôr do sol que ambos esperamos lado a lado.





Quando penso na minha família, a linguagem é uma intromissão nessa valsa de corpos e almas que sempre acabam por se acomodar debaixo da árvore que os fez frutos do mesmo chão.





Avó, sim, já disseste que gostavas de mim hoje. Não há melhor do que me escolheres como abrigo.





Todos dizem que gostam de mim. Todos os dias - o amor vive nesse impulso todo luz que nos impele os corpos para perto uns dos outros e nos inflama a alma para uma grandeza que não foi feita para ser dita.





A quem sente um amor nascer no peito como um absoluto sabe, como eu, que as palavras não chegam para descrever o que vai num abraço ou numa tarde quente de Verão, com as vidas cosidas juntas pela sintonia dos afectos.





Avó, não fales que eu ouço-te.





O silêncio é uma forma de triunfo sobre o mundo - no silêncio não há outro ruído que não o do amor que nos propomos a escutar perto de quem amamos.





Enquanto seguro nos braços a minha avó e o dia cai por entre as árvores do jardim, lembro-me do que ela me disse a respeito do marido, com os olhos muito acesos:




"- Tudo o que interessa é que, no fim de contas, eu sei que ele sempre me amou."





E, com isto, sei que a minha avó pôde ter de novo o homem que amou e que lhe mostrou que o amor vive muito mais na intensidade dos gestos e das condutas que no corpo imperfeito das palavras.


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