Rewind

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nós.

Na minha família há um nós. Há sempre mais alguém que se junta na longa mesa de jantar; há sempre alguém que já morou nas paredes daquela casa - bisavós, tios e primos que se juntam debaixo desse abrigo da vida que me ensinaram ser os afectos.
O singular nunca me pareceu inteiro - a minha vontade nasce com outros nomes bordados nos desejos que ponho no caminho.
Nunca me senti sozinho na minha infância - e ir crescendo é, irremediavelmente, encontrar sentido depois da perda. Debaixo dos olhos do meu avô, da Gó, da minha mãe, da minha avó a vida parecia uma sucessão de promessas feitas de aço e do calor dos corpos.
Acreditei que a vontade de estarmos juntos chegaria sempre para fintar a morte e prolongar a linha da vida sobre os abismos do mundo.
Houve um dia em que os dias começaram a ter lugares vazios, palavras que não podiam ser entregues com a força de um abraço ou de um passeio ao fim da tarde. Não havia essa facilidade que empresta ingenuidade ao amor.
Hoje gosto de amores difíceis - desses que nos dominam com uma violência que aprendemos a bordar com as memórias desses tempos inteiros e serenos de quando o mundo nos esquecia.
A tarde caía na casa - a minha mãe e a minha avó tinham estado a conversar.
Fiquei sozinho com aqueles olhos azuis que são como um pedaço de paz no meio das dúvidas que cirandam nas veias.
A minha avó sabe que tenho medo.
"- Um dia vou ter que ir, meu filho." - diz-me ela. "E não quero que venhas atrás."
A minha avó, enquanto diz isto e sorri, sabe que certos amores são como vícios - temo-los no peito com raízes em hábitos que nos habituamos a cumprir como numa espécie de sacramento.
"- Um dia vais casar, ter filhos, vais ter momentos de uma felicidade imensa."
"- E se não estiveres lá, avó?"
"-Filho, nunca te esqueças que os meus olhos vão procurar sempre os teus."
Para mim amor é uma palavra que se conjuga no plural. E, quando se ama da forma como nos amamos lá por casa, a verdade é que tudo podia ter continuado na mesma, como se a vida não acabasse.
A grande lição da minha vida é que não acaba - o amor é como uma escolha que se faz acima da finitude dos corpos e dos tempos. E a minha avó escolheu segurar a minha mão numa estrada que há-de continuar depois dela.
Revelo-lhe o meu amor nessas tardes de doces e de travessuras que a fazem rir muito com o olhar aceso de malandrice e de orgulho.
Despeço-me - "gosto muito de ti, avó."
E, então, percebo que tudo pode mudar, mas que certos desejos continuam cravados no coração das pessoas como o nome que têm ou a alma que guardam.
Há sempre um abraço apertado entre nós - sou eu dizer: "avó, e os meus olhos vão sempre encontrar os teus."
E eu sei que ela me ouve.
E acredita.

1 comentário:

joana disse...

darling!adoro este!é a coisa mais doce!até qs q invejo nao ter sido eu a escrever!=p