"The only way of catching a train I have ever discovered is to miss the train before." Chesterton (1874 -1936)
Rewind
domingo, 25 de dezembro de 2011
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
das coisas simples.
Nunca houve Natal sem a nossa Gó - a Gó dos doces, das travessas imensas e saborosas, das mesas bem postas, do sorriso doce e olhar iluminado.
Nunca houve Natal sem as suas mãos mergulhadas com carinho nas receitas, na azáfama de encenar o espectáculo dessas noites longas e felizes.
Nunca houve vida feliz sem o condão dos seus braços sempre abertos, da promessa que guardou no peito - essa que a põe feliz quando reencontra a minha avó. São como duas amigas - "minha senhora" é a forma da Gó guardar o seu lugar, esse que é só dela, esse que lhe diz onde pertence que é no meio de nós, sorridente e de olhar matreiro e bondoso.
Todos sentados numa mesa - eu, encantado por a ouvir falar desse tempo em que aquela começou a ser a sua casa - a casa onde, mais tarde, corri pelos corredores a chamar por ela, pelos meus avós, pela minha família onde ela firmou lugar bem fundo.
Este tempo é o tempo das mesas preparadas com carinho, da cumplicidade com que desabafamos as nossas coisas como dois bons amigos - vejo que fica feliz quando lhe falo com a paixão que nutro presa no eco das palavras e na acalmia do corpo.
Chegam as suas irmãs - um colégio de mulheres gratas, humildes e bondosas. Todas sorriem quando nos vêem na mesa - sabem há muito do amor que lhe guardamos, à nossa Gó das missas a um Deus bondoso e de braços enormes e afago terno.
A saudade que lhe tenho nunca morre - guardo- a como uma espécie de prova da resistência das coisas, da sinceridade dos afectos e da firmeza da lealdade.
Tudo muito simples - aquelas mulheres unidas desde um tempo que principiou antes de mim, as saudades que guardam uma da outra, o chá que bebem, gracejando ao lembrar o tempo que foi o da conquista, da luta, das crianças, da criação desse laço imaterial maior do que a vida.
Vivo para guardar isto cá dentro - agradecer a tempo, abraçar a tempo, rir a tempo e descobrir o prazer imenso dessas coisas simples que uma tarde todos juntos nos pode dar.
A Gó sabe do amor que tenho pelos meus avós - viu-o, acarinhou-o e orgulhou-se de nós, sempre. E sabe aquele que guardo por ela - a minha família é também ela com o seu carácter erguido de grandes pedras, da fé que a move de encontro a mim e ao A..
Sei que reza por mim, que nos reclama como um pouco seus também, sabendo que nunca a deixaremos.
Observar e sentir que a vida só pode ser isto - o bailado quente de um chá, a minha família por perto, rir com vontade ao saber que os meus lhe iluminam o olhar como se fossem os dela.
Não conheço maior exemplo de gratidão, de fé como um véu de luz quente que nos faz o abrigo uns dos outros no caminho.
Este é o tempo dela - o que nós somos não acontece da mesma forma, se ela não estiver por perto, se não lhe apanhar no olhar esse sorriso que me envia sob a forma dessa certeza doce de que fica.
Nunca houve um Natal sem a nossa Gó - a Gó das conversas pela noite fora sobre a infância do meu pai, o meu avô, a minha avó e a minha mãe e o A.
Nunca houve vida sem ela - sem esse bocado mais que conseguimos ser só porque a temos, porque nos guarda com o verde dos seus olhos e os desejos sinceros do seu coração.
O tempo melhor da minha vida é este - o que passo com as pessoas que me dão forma e espessura aos dias, que me fizeram nutrir pela vida um fascínio que nasceu de termos partilhado todos o caminho.
Enquanto a tarde passa, descubro que não saberei nunca viver sem isso - sem essa sensação de encantamento, de fascínio, de gratidão e felicidade que me nasce de ter essas pessoas, cuja missão foi tão maior, tão luminosa, mas humilde.
O chá, os doces, as palavras, os nomes que pronunciamos juntos - é uma canção antiga que os nossos corações aprenderam depois da valsa constante de tardes, de dias e de uma vida toda vivida para isto - as coisas simples, as maiores e as mais puras.
Não há tempo melhor do que aquele que não queremos que acabe - sabe-nos bem a vida como um caminho que nunca foi solitário, que nunca foi da solidão.
Há bocados de luz na nossa vida - pessoas que nos aquecem e nos embalam o peito com o ritmo constante do que são e do que fazem por nós.
O tempo das gargalhadas, das tardes quentes em que se matavam galinhas e eu e o A. as queríamos ver sem cabeça, as tardes no jardim em flor depois de lanches abundantes e correrias de criança. O tempo em que as pessoas nos começavam a viciar nessa forma leve e inconsciente de cumprir hábitos, de repisar lugares, de não esquecer nomes nem gestos, de acariciar a memória e o poder consolador que esta transporta.
O poder não serve para afastar as pessoas - serve para as unir num qualquer desígnio comum, para as fazer sublimar a circunstância e caminhar juntas numa direcção idêntica.
Reencontro esse Deus bondoso na felicidade com que a minha avó se apressa a abraçar a Gó, na rapidez com que as duas percorrem a nossa história, lembrando-se, cada uma, sempre, das qualidades e gestos da outra.
O tempo na minha vida será sempre este - o da roupa branca estendida sobre um dia quente - um lençol de luz que esvoaça, enquanto corro:
"- Gó!"
Acabo por encontrá-la sempre
"- Estou aqui, menino, estou aqui."
E voltará sempre o tempo em que a minha família se abriu para acolher aquela que fez dela um lugar mais bonito para morar.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Ao longe, o verde.
A janela sobre o verde - esse corrimão de cheiros e lembranças onde se apoia a saudade que nos acompanha sempre. A janela da vossa juventude, os caminhos que nunca vos separaram.
As vossas casas - em pequenino o avô sentado à lareira com a mãe nesses Invernos de frio que estalava os ossos e adornava o tecto do mundo de uma luz pálida.
Tu envolta numa massa e bulício de feitios, génios e gestos que te fizeram inteira porque te sentiste desejada. Passo perto dos campos e ouço a espessura do silêncio e como a vida soa diferente ali.
Fui para te ver, avô - vejo-vos sempre melhor dessa moldura de felicidade que resgato nas pedras das fachadas, no musgo dos muros, no fumo das chaminés e nos rostos dessas pessoas que forjaram uma aliança com o trabalho e essa vida sem atenuações ou desculpas.
Sei que sentem a tua falta - falam-me de ti e não consigo deixar de sentir esse orgulho que vive em mim por te ter tido.
Espreito pela janela - essa em que imagino, avô, que a tua mãe te segurou nos braços, em que o mundo era da pedra das convicções, das palavras, dos compromissos, dessa ambição luminosa.
Tu e os teus irmãos que corriam pela casa, que já divergiam para sempre se saberem feitos do mesmo.
Sento-me no meio do verde - imagino que amor foi o teu pela avó - esse que te pôs nas linhas que lhe ofereceste o tom da promessa que deixaste realizada no peito dela e no nosso.
Apetece-me ficar aqui - mais perto de ti, mais perto dessa simplicidade feita de sorrisos, de gentileza e gente simples. Apetece-me ser como tu no meio deles e acabar como tu nos olhos deles.
Lembram-se de mim - dizem que corria para ti e para a avó (enquanto falam, ainda corro.) e que passava as tardes feliz enquanto observava os gestos, a gama ampla de cores que cabiam num fim de dia, enquanto ouvia a avó desfiar as vossas memórias como certezas de ferro que a agarram, ainda hoje, à vida.
Há um lugar onde esse fanatismo que tenho por vocês não morre - esse, onde ele começou assente na saudade que veio antes da ausência.
Sempre a saudade, antes de tudo, no nome de tudo, no início de tudo. Surpreende-se a grandeza do amor nesse absoluto desejo de prolongamento de umas coisas sobre as outras.
Imagino a avó quando passeava no descapotável do irmão mais velho, escutava os conselhos da mãe e amava o pai com um amor que chega para me contagiar.
Imagino, avô, o teu pai com ideias do tempo de hoje - apaixonado pelos ideais, pelos filhos, pela luta.
Imagino todas as coisas que soube pela vossa voz - vou ali para as ouvir melhor, outra vez, de perto.
Gosto da educação sem medo que tiveram, desse espaço de liberdade que vos ensaiou no peito desejos que só nascem da liberdade.
Imagino essas mesas repletas de vozes alegres, de gente que adora as palavras e ensaia o amor ao som delas, como uma música que tocasse num gira discos.
Passo nas ruas, nas casas, nos campos e sinto-me bem no ventre da memória - o frio do Inverno não tolhe essa sensação de que o nosso corpo e a nossa história nos serve, nos retrata, nos redime e nos enaltece.
Vou, avô, para te dizer do medo que trago ao saber que, como tu, a avó nunca me vai chegar, que já me falta antes das fintas da vida. Vou porque vivo a saber onde pertenço, a relembrar esse exemplo que foram para mim.
Sentado no meio do verde, o silêncio traz o teu nome no colo. Atrás dele, com o passo ligeiro de felicidade, correm duas crianças que trazem no rosto essa luz que anuncia a felicidade.
Vou para ver isso, para te dizer que a avó continua a ter alguém que se lembra de ti com ela.
São boas as nossas tardes - quase que parece que chegas para te juntar a nós de novo.
E, com isso, essa matéria espessa que é o amor bordado nas bordas das palavras, chamo por ti - e, de alguma maneira, a tua voz chega até mim.
Sempre.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Avó,
"-Meu pequenino queres vir lanchar comigo?" - a tua voz depois de ter medo que ela não me soasse dentro do ouvido, direita ao coração.
Cheguei e já tinhas mandado preparar a mesa - o chá que ainda soltava um bafo quente (como o teu nome e a tua lembrança) e os doces da quinta feitos "dos mimos", como dizes, da terra que é nossa.
Percorro o caminho até tua casa com o frio a arrepiar-me a pele e o passo apressado de quem corre a saber que o tempo não chega, que o amor é essa espécie de filme a meio que apanhamos - ao amor chega-se sempre atrasado.
Fico em silêncio a observar-te - sei que há um vício meu de te decorar as palavras, de gravar a tua voz para a fazer soar dentro de mim.
Tive contigo mais uma dessas conversas que nos tornaram dois bons amigos, dois cúmplices - a minha admiração por ti como a bandeira que ergo com a nossa lembrança - sempre a falar do avô que foi a maior medida do sonho, da ambição e o homem que nos amou a todos mais e melhor.
Digo-te do medo que trago comigo de te perder, do hábito que tenho de subir as escadas a correr e ouvir-te saudar-me com esse sorriso malandro que denuncia o quanto me desejas.
Agarras-me nas mãos - de pianista, como dizes, e pego nas tuas e sinto-lhes a suavidade, a ternura com que me recebem.
Falo-te do A., prometo-te que o trarei sempre comigo - os dois que sempre te procuraram mais, te souberam melhor e te cumprem como um ritual que nos dá o chão.
Penso em ti, pela manhã. Imagino que me acompanhas enquanto "nos faço maiores", como me pedes.
Falo-te do avô e da paixão dele pelos melros, desse tempo de Outono, das castanhas e dos ouriços que nos faziam passar tardes imensas no verde da vossa infância.
Falo-te e noto que me sorris feliz porque o não esqueço, porque me não esquece esse tempo que foi o mais feliz da minha vida.
Falo-te das falhas, das coisas menos boas e sorrio-te - aprendi a ter fé na raça, nessa capacidade de superação que nos põe mais juntos no fim de tudo.
Falas-me dos teus irmãos - és a última dessa casa de gente dotada dessa capacidade de antecipar o jogo do tempo e triunfar.
Penso em ti todos os dias - de como te ris quando te lanço provocações, de como nós fomos o sentido maior e último da tua vida - quiseste-nos e isso foi a maior razão para nos amares.
A casa em silêncio - apenas eu e tu. Dizer "a casa dos meus avós" e senti-la como minha.
Encho-.te o coração das minhas palavras - cravo na vida o que me traz preso em ti e quero que o saibas - é o meu obrigado.
Vi que contigo há toda uma medida que faz querer mais, ser mais e melhor.
O lanche corre - abro-te o coração porque o meu vacila se o teu treme - aprendi a agarrar o que te agarrou à vida. Falas-me da tua avó e de como a ias visitar, todos os dias, depois da escola.
Falo-te de ti e de como te quero ir ver, todos os dias, depois de tudo.
Discutimos política, discutimos as decisões que um dia eu, como tu, terei que tomar. E falas-me das lições que o teu pai te dava - a ti, a menina mais nova, a pequenina dos olhos azuis de mimo e de felicidade.
Contigo sinto-me o bisneto, o trineto - sinto-me em casa e recebido por essa gente de olhos azuis e cabelo muito louro com uma inteligência fina e audaz.
Vês muito de ti em mim e no A. - somos crentes do mesmo milagre de agradecer as pessoas que temos, de lhes apreciar a virtude e a história com verdade.
Somos bons contadores de histórias, todos nós, avó.
A minha história conta-se como a tua - orgulhosos por sermos frutos do mesmo chão, voltamos ao abrigo da memória que é a morada das coisas mais bonitas e que nunca morrem.
És a minha casa - o azul dos teus olhos, como uma promessa de manhãs frescas e luminosas.
Falo-te da mãe e do pai como me falas dos teus - somos como amigos que trocam o que a vida lhes deu, como cartas que se escrevem e se guardam, a salvo do tempo e do esquecimento.
O medo morre sob a felicidade que me nasce de te abraçar mais uma vez.
Noto que há pequenas contas nos teus olhos.
"- Gosto tanto de ti, avó."
A tua resposta (Eu também, muito) ouço-a mais do que nas palavras, na forma como prendes nos teus braços a dizer:
" - Vai tudo correr bem. Eu estou aqui."
E ainda bem.
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