Há um prazer infinito no som das tuas palavras - é um desses rumores carinhosos que cosi na face dos dias, que me habituei a ter como sintoma de uma felicidade estúpida de tão evidente, clara como uma manhã de sol de Inverno. Há sempre um gosto de renovação nos votos que fiz para contigo - nesse juramento que trocámos quando o meu sangue já te trazia, sem que o soubesse.
Sempre que a noite cai é lá fora que fica tudo do mundo que não somos nós, tudo do mundo que não seja essa corrente que nos enlaça os dedos e nos revela tão imperfeitos aos olhos uns dos outros. É nessa espécie de valsa sem pudor, de coreografia improvisada de gargalhadas, de risos e lágrimas que erguemos um mundo em que a medida do que somos existe, pode existir e perdurar sobre os dogmas das sombras - como uma vitória sobre o medo, a finitude e a fragilidade de tudo.
É nesses instantes que o sangue corre mais fundo - tudo se completa, tudo se realiza num remexer doce dos ossos, das esperanças e sonhos - cabe-nos no peito uma medida maior do que a existência - isso que a justifica, a enobrece e amplia como um fogo aceso no escuro.
Posso dizer-te que me ensaiei maior, depois de ti - é no embalo da família que somos e de que falamos sempre muito que denunciamos esse fanatismo sem lei, sem regras que é o nosso chão.
Não há outra forma mais sublime para o amor que o absurdo - isso de as coisas se tornarem, de repente, numa construção que nos define sem que nos pertença, num hino desgovernado de sonho e paz. Corre para ti tudo o que sou - como se tu fosses a minha morada, um outro eu que procuro trazer na pele, bem junto do sentido dos dias, do correr da vida, enquanto tudo se some - menos tu.
A família é essa explosão no meio do caos do mundo - esse cadinho em que borbulha o metal derretido de toda a dor, esse pó luminoso do perdão, da redenção que nos chega pela mão, pela pele do outro que queremos trazer do outro lado do caminho.
Há um iluminar terno de tudo se o azul dos teus olhos me sorri do fundo da sala - há uma grandeza súbita de tudo o que habita o silêncio e que é como um conjunto de ferrolhos na carne - porque o maior dos amores traz raízes na mais funda das dores. Sai dela como uma catarse que nos liberta da inferioridade a que o tempo nos votou. E acaba erguendo uma súplica de eternidade, um desejo quase indecente e cego de pedir a eternidade.
O Homem conhece a eternidade pela experiência do amor. Apenas por ela se molda, se rasga, se reinventa e se aperfeiçoa - tudo porque a medida do sonho já não é somente a que quer, mas a que precisa para que o outro nela caiba, nela more e se abrigue das agruras do ser.
O Amor é chamarmos por nós na pele dos outros - reconhecer na existência de algumas pessoas, o sentido do perene, do inteiro que se dividiu - porque se dividiu e fortaleceu.
Quando me vinhas presa no sangue, disseste-me, como num juramento, que o azul dos teus olhos ficaria sempre preso no fundo de todas as minhas memórias - que seria o céu onde a noite trouxe sempre o dia - o dia redentor, de esperança, de carinho como um abraço cheio.
Partilho contigo o sangue que nos condenou aos mesmos crimes - a um amor fanático que não procura absolvição, que vive da grandeza simples de um apelo que nos juntou desde o primeiro dia.
É nisto que mora a minha fé - no cimento com que a família se ergue no meio de tudo, no meio de nada para rasgar a dúvida e deixar um princípio de paz - a paz que conhecerei sempre que pensar neste abrigo que fomos uns dos outros, nesse reduto sem escala e sem razão.
Fui sempre mais por ti e por todos nós- soube, desde o dia em que a vida se me impõs para continuar, que a medida das coisas está na força com que elas nos chamam.
E, por ti, continuarei a chamar sempre.
Porque no fim de tudo, a vida será sempre um encontro com aquilo que nos falta para sermos inteiros.
Sem comentários:
Enviar um comentário