Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa.
Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de
Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente
monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís,
era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar
os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a
Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia
Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos
sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros.
Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve
associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente
(mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o
Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma
família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os
filhos deles. Há quase quarenta anos.
Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a
ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça
e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles
dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem
abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos
diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive
medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem
da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a
humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e
em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou
-mesmo quando faltava tudo.
Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade
profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade
e com coerência.
Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou
assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o
melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por
elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou
influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.
Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem
comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus
adversários.
A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi--a com
racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a
valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui
deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita
por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.
Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati- -me por causas cívicas,
umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra
regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os
fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate
político directo na representação popular, intervim com regularidade na
televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.
Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de
que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.
Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é
uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil,
silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a
graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com
os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.
Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.
Última crónica de Maria José Nogueira Pinto, publicada a 7 de Julho de 2011, no DN.