I.VI.MMXV
cada vez que faço anos, agradeço aos meus pais pelo meu irmão.
é verdade.
não sei como se diz obrigado vinte e tal anos de forma diferente, mas eu insisto.
dizem-nos que nascemos com cinco minutos de diferença.
e foi isto - desde o início, o Né esperou por mim.
e ter quem nos espere é do caraças - é ter um princípio de casa no arrepio de cada dúvida, é ter um miradouro de calma e riso sobre as desgracinhas que, de repente, quando alguém nos diz
está tudo bem
já não são nada, nunca foram nada - afinal, o meu irmão entende as várias línguas do meu silêncio.
tenho um irmão que é a minha cópia, é o que nos dizem.
eu nunca acreditei - o Né sou eu, mas os olhos dele são os do meu Avô, as mãos dele são mais compridas e o cabelo rapado só lhe fica bem a ele.
para mim, ficam os brincos e pouco mais.
e o Né percebe de carros como ninguém, usou uns sapatos Oxford aos treze anos como ninguém e organiza tudo como ninguém.
tenho um irmão do caraças, só vos digo.
o meu pai diz que o meu irmão lhe lembra do pai até quando discutem. sobretudo quando discutem.
e eu quero acreditar que o meu pai tem menos saudades do pai dele e isso é bom.
o meu irmão tem um abraço que é como uma porta que não se fecha à chave - assim, à moda antiga, antes do tempo dos ladrões de leste e coisas tristes.
costumo entrar e fico para ali esquecido de voltar - nesse lugar, onde todos os relógios são inúteis e onde esvazio os bolsos de toda a tristeza e desencanto.
só o meu irmão sabe quantas mulheres amei e como as amei.
(coitado, e nunca se riu do meu amor em que os olhos são quase sempre os dedos.)
às meninas apetece-me dizer: o meu irmão é muito melhor do que eu.
a toda a gente, já agora. porque é verdade.
um irmão como o meu dá jeito quando for comprar o meu primeiro Aston Martin - eu só sei que o quero verde garrafa. ele já sabe tudo, já reviu tudo e escolhe sempre o melhor.
talvez o meu irmão seja assim - eu sonho com um carro verde garrafa e ele certifica-se que o meu carro verde garrafa é o melhor que há para mim.
ter um irmão assim não é para todos, não senhor.
estou velho e repito-me, está visto.
quem ama, repete a verdade julgando com isso que a torna maior.
fazemos anos.
vinte e oito.
(e a mim a saltar-me a tampa com os amigos de lisboa: ah já são vinteeóóito.)
olho à minha volta:
uma Mãe que eu não merecia (check)
uma Avó malandra e com olhos do azul mais bonito que há (check)
um Pai que me ensinou que nas diferenças que temos também há muito amor (check)
uma Tia-Avó que foi a mãe da minha Mãe quando a dela morreu e que é um exemplo de bondade (check)
a saudade dos meus Avôs que se senta sempre comigo à mesa (check)
e a Gó ao telefone a dizer: Ricardinho e Dédé parabéns! e a chorar do outro lado (check)
ter um irmão como o meu e uma família assim é como receber um presente que, não sabemos como, às tantas, nos calhou na rifa por engano.
é que eu não me portei sempre bem nem nada.
é que eu não me portei sempre bem nem nada.
mas eu não os devolvi.
(afinal, não tinham defeito e pode ser que se esqueçam de mos vir roubar).
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