mas hei de dar-te um dicionário,
ris-te, eu sei, mas eu insisto - um dicionário, sem embrulhos, sem enfeites
- um lugar, apenas, onde possam existir palavras para ti, para o teu amor
e para as coisas que vi pendurado na varanda florida dos teus ombros.
procurarás por mim nessas páginas, eu sei, mãe,
mas o dicionário que eu te der falará de olhos como se fossem janelas,
falará de abraços como se fossem portas,
e de mães como se fossem casas
dos verbos dirá de todos que se conjugam melhor no gerúndio -
caminhando, esperando, encontrando, sorrindo, perdoando -
amando - como se fosse o som do próprio amor que se pudesse ouvir em cada uma das páginas
e o vento passasse, malandro, a apregoar em todos os cantos a nossa alegria
um dicionário no fundo da tua cama, mãe, que achas?
para ti, que me ensinaste a chamar as coisas por todos os nomes que elas podem ter,
a acreditar que os verbos conjugados no futuro -
caminharás, esperarás, encontrarás, sorrirás, perdoarás -
amarás - te teriam sempre a ti na outra ponta do caminho
e que o desconhecido, de alguma forma, me traria sempre de volta
um dicionário para ti, mãe,
só para falar das palavras que tu inventaste para me fazer feliz,
do tamanho superlativo do teu coração
e da infinita aliteração da saudade em cada um dos teus beijos
que achas?
quero, mãe, que saibas que te agradeço eternamente o teres-me ensinado a falar com palavras que não existem,
a abrir janelas que mais ninguém vê,
e a poder voltar a casa cada vez que penso em ti -
obrigado.
um dicionário de um filho para uma mãe para lhe lembrar que foi ela quem o ensinou que há tanto por inventar - palavras, beijos, abraços, pretextos - sempre uma qualquer forma de voltar.
por isso, o dicionário, mãe, dirá sempre duas coisas:
1. Obrigado.
2. Eu volto.
Um beijo do teu filho,
Ricardo
PS: Mãe, apesar de todos os nossos desacordos ortográficos, eu sei quanto de mim se escreve graças a ti.
Amo-te.
RM|XXV-II-MMXVII
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