E as horas pareciam, de súbito, enormes. O tempo chegava em vagas serenas como pequenas ondas num mar de paz. Ele boiava nelas, com o corpo num sossego morno e quente. O mundo parecia um murmúrio, nessa voz difusa de ecos longínquos. Às vezes, sabia bem estarmos no mundo mas deixarmos as coisas acontecerem apesar de nós.
Talvez gostasse de existir menos ou de poder acreditar, ainda que por uns instantes apenas, que o mundo existia para lá dele. Que a vida não se gastava ou não passava pelas mesmas ruas e sítios, uma vez mais. Desistir da vida como alguém que deixa a areia escapar por entre os dedos. Lavar o corpo no silêncio de horas sem nome e sem destino. Descobrir o tamanho dos desejos que os sulcos da pele guardam. E ficar a boiar no colo manso e terno das horas lentas e longas do que agora começa.
Viajar sem destino no leito do tempo. Poder demorar mais o olhar num pormenor da vida que vemos que, afinal, sempre ali esteve. E, mesmo demorando no caminho, sentir que cumprimos a jornada, onde quer que cheguemos.
O tempo para ele não era mais tempo. Era agora o espaço onde o corpo, os desejos e a vontade cabiam inteiros e tinham a exacta medida disso que se chama paz. Poder abrir na face do mundo o espaço onde podia permanecer. Continuar. Demorar. Verbos a que o tempo empresta o nome mas que continuam para lá dele. Como o mundo, num murmúrio distante.
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