Rewind

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Silêncio

Uma noite quente com esse embalo terno de um ar amplo. A vida apagada como a lua ausente num céu imenso e vasto. O rumor do vento em passos desajeitados de criança tropeçando, ao de leve, nas dobras do teu corpo esbelto. Ao fundo, a planície ondulante por entre as rochas. Ondas como pequenos goles de licor espesso. A rua que descia deserta. Ao longe, um latido forte de um cão lançado contra a parede serena de silêncio. E, de novo, a manta da acalmia a cobrir-nos aos dois nesse abraço longo.
Sempre procuraste o mundo sem o rumor constante de desejos que não eram os teus; sempre quiseste decantar os momentos como se, só levados para longe da massa informe da turba, nada os pudesse perturbar. Ou roubar de ti qualquer fragmento que sei guardarias na lupa dessa memória atenta. E ficavas muito quieta debaixo de um altar sem brilho, numa noite de calor opaco com o teu rosto preso no meu peito. Os olhos cerrados com o desenho da atenção nas pálpebras. Ouvias o meu coração; o ar que entrava para que eu pudesse continuar a escrever o teu nome no véu por abrir do tempo. Às vezes, o teu olhar pedia-me que ouvisse esse absoluto silêncio - o silêncio onde ambos sabíamos ouvir o lume aceso que nos moldou juntos.
Sorrias depois longamente. Podíamos durar nesse silêncio. Nunca tiveste medo das palavras. Mas sabias, tal como eu, que há uma segurança maior quando não corremos a dar nomes às coisas para as fixar num dado momento. O nosso amor como esse absoluto que não era nosso mas sim nós - inteiros. Não querias que o nosso amor morasse num lugar para onde os nossos passos o não tivessem levado. E, por isso, nesse silêncio onde cabíamos os dois, nessa mímica sem gestos e apenas de pulsações podíamos ouvir onde era o nosso caminho.
Quando o recorte dos teus lábios encontrava os meus com essa força renovada de um desejo que se espraia no claro impulso da vontade eu, como tu, gravava na memória a valsa secreta do que nascera no silêncio.
Na dobra da baía acendiam-se luzes como velas contra um pano escuro e a noite caía num sono agora mais profundo que parecia ter aconchegado também os cães.
E quando me levavas a ver o mundo assim adormecido e quieto podia, então, existir o amor. O amor que é feito desse aquém que nos põe no outro algo que não temos. E nesse silêncio podíamos ser o que faltava ao outro sem um nome deste mundo a que sempre falta alguma coisa.
Amava-te mais pelo brilho silencioso do teu olhar que, agora que as luzes se apagaram todas, parecia brilhar mais no corpo escuro da noite.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O sonho mais doce de Doris Lessing

Acabo de ler a fabulosa obra "O Sonho mais Doce" de Doris Lessing galardoada em 2007 com o Nobel da Literatura.
Fabuloso será, no entanto, dizer pouco. É seguramente das obras mais absoventes, emociantes e profundas que já li.
Através de uma saga familiar ao longo de três gerações, Lessing retrata esse período histórico que representou uma enorme transformação, choque e mudança que foram esses idos Anos 60. Embora a narrativa se inicie em Inglaterra cedo percebemos que o retrato desta época teria de ser o retrato do Mundo. A história atravessa continentes pelos olhos e as vidas intensas das personagens que nos são dadas a conhecer. Período aceso e inflamado, de uma revolução cultural, sexual e política estes anos desenrolam-se pela visão atenta de Lessing que constrói um enredo verdadeiramente envolvente que é também uma belíssima lição de História. A turbulência e o acender do rastilho comunista e a sua disseminação por grande parte do Mundo e, mais tarde, o reconhecimento dos seus atrozes excessos e erros profundos.

Cedo percebemos que, apesar do dançar do tempo, os Homens que repudiam o passado acabam por cair nas mesmas falhas profundas que o marcaram; que o extremismo não é o lugar onde mora o bom senso.

Livro que retrata intensamente as tensões sociais, o choque geracional e que, portanto, se torna num testemunho de uma humanidade impressionante. Lessing parece conhecer como poucos os meandros daqueles que emprestam ao sonho a acção e, como quase sempre acontece, padecem dessa febril cegueira e furor da paixão. Época fascinante esta - a da Guerra do Vietname; a da pretensa libertação de África; a da Guerra Fria, da ameaça nuclear, do início da discussão sobre a depressão e a anorexia; do início da descoberta da SIDA; do acentuar das clivagens sociais e do naufrágio dos novos países ao flagelo da corrupção, da fome e da mais absoluta das misérias. É este o tempo do feminismo incendiário; das reformas no ensino; da redefinição do papel social e sexual das mulheres, de instituições como o casamento e a Igreja e do início das movimentações da cena internacional e diplomática como hoje as conhecemos. "Tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis."

Talvez tenha sido esta a grande época em que o sonho fazia fervilhar os ânimos e os espíritos. O sonho como o maior dos motivos e, para alguns, o móbil perfeito para crimes atrozes.

É impressionante como uma casa em Hampstead se torna o palco e o ponto de partida para um retrato perfeito dos reveses e dos triunfos de uma época; de como o concretizar dos sonhos nos torna, por vezes, em pessoas tão diferentes daquelas que nos foi possível imaginar.

Recheado de personagens que pertencem a um vasto amplexo de realidades e ideais, este romance é um completo espelho da natureza humana. Escrito de forma apaixonante este é um livro magistral.

Nas palavras de Schiller, citadas no livro e parte do seu poema "Lamento da Jovem" diz-se: " Ich habe gelebt und geliebet" ("Amei e Vivi") e talvez, no fundo, cumprir um sonho seja um amor difícil, doloroso e um caminho em que se perde e se sofre mas que, no fundo, talvez seja a única forma de viver verdadeiramente.

"E partem pessoas que foram filhos afectuosos" para um mundo onde tudo se torna imprevisível e que apenas reconhecemos sob o peso do tempo quando lhes guardamos um verdadeiro, profundo e dedicado amor.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Capitão Romance por Ornatos Violeta

Let you down by DMB

Nas ondas

A luz entrava em pequenos goles pela janela. No ar boiava o cheiro das ondas e no cabelo tinhas presa a recordação da saliva da água do mar. Dormias serena. Os olhos fechados e as mãos juntas perto do corpo cor de areia molhada.
Longe do mundo - esse encaixe perfeito do silêncio sobre os corpos; o ar que não pesa na pele e o olhar que se demora no repouso quieto das horas na luz morna de um dia quente do Estio. Gostava de provar a tua pele depois dos beijos quentes do Sol e de mais um desses dias em que os teus olhos eram o espelho dessa imensa liberdade que a luz branca da areia punha no fio do horizonte. Os olhos pesados, o corpo boiando no colo macio da brisa da tarde e sempre as tuas mãos - desenhando curvas sinuosas no relevo plano das minhas costas. O teu cheiro e o teu respirar perto de mim. E as ondas no seu embalo perfeito namorando a ladaínha contínua do vento morno e calmo. O meu peito a encontrar um novo fundo e o meu corpo a abandonar-se nesse instante de tudo. E tu ali - uma sombra derretendo-se para dentro da outra e a areia como o espelho dessa entrega simples e com sabor a salitre.
As dunas como ventres onde tudo se diluia na sua infinita brancura e suavidade. O mundo abafado pelo eco e o rumor do vento de encontro às rochas e às casas - corpos alvos e solitários num caminho de ninguém.
Dizias que pensavas que o Mundo quase nos podia deixar assim e esquecer-se de nós - suspensos no tempo que já não acompanhamos. Ficavas a ver-me dormir. Eu já acordado mas, sem que o notasses, a ver desenhar-se no teu rosto esse carinho imenso que transbordava do teu olhar meigo. Acordavas-me, por vezes, com um beijo semeado na minha testa ou na minha boca. E podia ver os teus olhos mais de perto e segurar-te no rosto enquanto esse imenso clarão e enchente sem nome e sem palavras me arrasavam o peito.
Sorrias porque eu nada dizia - as minhas mãos agarrando com força a delicada luz do teu rosto feliz.
Eram largos os dias e a vida nessa nudez frontal da total ausência de ruído que ocupasse o espaço entre nós. Eu sentia o teu pulso no beijar suave do teu suspirar junto ao meu ombro.
O amor é sempre uma forma de arrogância e de desprendimento do mundo. Nada importava ali - o ruído e as luzes apagadas sob o manto escuro de uma noite quente e funda. E, embora o mundo fosse como as ondas que apagavam e engoliam as promessas escritas na areia fina daquela praia, eu escreveria sempre bem fundo na areia da tua pele as palavras do meu amor por ti.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley

Acabada de reler a fabulosa obra "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley fica apenas uma enorme satisfação. Poucos são os livros que nos deixam a pensar. E em que tudo começa verdadeiramente a acontecer depois da última linha. "Brave New World", título inspirado numa fala da personagem Miranda da obra "Tempestade" de William Shakespeare, é uma dessas. Aparece-nos retratada uma sociedade do futuro - normalizada, um verdadeiro império da técnica e um hino ao condicionamento psicológico das pessoas. Uma verdadeira sociedade totalitária em que o indíviduo se vê desprovido dessa liberdade crítica perante o mundo e, no fundo, perante si mesmo.
Dotada de uma notável e arrepiante capacidade de antecipação, a escrita de Huxley alerta para a grande escolha e o equilíbrio frágil e difícil entre a técnica e a preservação da Humanidade.

Recheada de uma critíca implícita que começa nos nomes e acompanha sempre o retrato das personagens, acabamos a leitura deste livro com um sentimento de simpatia por esta liberdade de sentirmos e sermos o nosso próprio destino. E fica um medo que brota do facto deste retrato ser, sobretudo nos dias que correm, uma possibilidade cada vez menos remota.

Como escolher entre a aniquilação total da existência, vivendo e o suicídio como o Selvagem?

Arrepia e faz o leitor sentir uma repentina claustrofobia essa ideia de que, de repente, Shakespeare, o Amor, a saudade, a família e mesmo a tristeza e a morte desapareçam sob um manto de felicidade vazia. Arrepia a manipulação da vida, o roubar a escolha do indíviduo perante o seu futuro e o apagar da dúvida. Quando tudo se manipula, se calcula, se determina com base num desejo de estabilidade fica a aridez plana de um longo deserto. E, no meio desta travessia, a personagem do Selvagem é um oásis e a face disso que nos faz gente, que nos torna reconhecíveis e identificáveis no meio de uma multidão.

Lançado numa maré incerta, resta ao Homem a certeza da sua liberdade como o princípio da resposta a todas as suas dúvidas. E é isto, sem dúvida, que torna admirável este velho mundo.

Porto.X
















Porto.IX
















Porto.VIII
















Porto.VII
















Porto.VI
















Porto.V
















Porto.IV
















Porto.III
















domingo, 9 de agosto de 2009

"Anda cá, quero mostrar-te uma coisa"

"Anda cá, quero mostrar-te uma coisa." Tinhas os olhos acesos, como pequenas faíscas num céu de trovoada. A casa estava quieta como os corpos cansados depois dos gestos lhes cumprirem o destino e a palavra. As paredes caiadas de um branco imaculado e espesso. Tu e o teu vestido branco e comprido com a graça do teu corpo a fazê-lo dançar como o vento.
"Anda cá, quero mostrar-te uma coisa." E na pele trazias esse tempero vivo do mar. O cheiro da areia e das ondas gravado no lençol moreno da tua pele.
Pegaste-me na mão e desenhaste na noite um brilho diferente com o sorriso amplo e radiante que trazias posto no teu rosto feliz.
Deixamos a casa. As janelas abertas e as velas espalhadas como pequenos faróis enterrados na massa macia das dunas. Descalços e vestidos de noite e luar caminhamos em direcção ao mar: amplo, imenso numa acalmia espelhada e luminosa. A Lua num redondo perfeito e farto.
Encostaste a tua cabeça no meu peito e nada disseste. Senti-te colar a tua pele na minha e o desejo que tinhas de que o amor que sentias bater no peito nos cosesse assim para sempre.
Sentaste-te encaixada nas minhas pernas e, de novo, o cheiro do mar preso nos teus cabelos. Respirar o ar da noite depois do encontro dele com a tua pele e tudo parecer mais suave como um murmúrio. Desenhar na rocha polida do teu corpo beijos como as ondas do mar. Lançar o vento do meu desejo nas paredes da tua pedra. Recolher ao teu porto - abrigo escondido em horas de deriva. Estivemos só os dois naquela praia. Tu como um promontório onde eu pudesse ver a vida com essa distância segura de um chão firme. A voz abafada do mar a bordar pedras, conchas e búzios na areia. E o luar a cobrir o teu corpo de uma luz mais leve.
"Anda cá, quero mostrar-te uma coisa." E, como de todas as vezes que a tua voz me chama nesse tom rouco e intenso, eu pude ver como a vida é maior depois da sua corrente me ter deixado para amar o recorte perfeito do teu corpo no meu.

Whisper by Slovo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Tu

A graça do teu olhar. Os teus olhos embainhados de uma luz intensa e funda. A tua pele com a volúpia a escorregar-lhe no traço fino e firme das tuas formas. As tuas mãos compridas e os teus dedos longos numa promessa de serenidade. A forma como te rias para mim naquela noite. A mesa comprida e o magnetismo do teu sorriso a prender-me demoradamente a atenção. Os teus ombros numa simetria absoluta e a noite como a moldura perfeita para o teu rosto.
As tuas mãos tocando-me ligeiramente as pernas. Os passos dos teus dedos e o arrepio aceso do desejo. Com os olhos despi-te o mundo e o espaço. Meti no bolso o tempo. E desenhei com a intensidade do olhar a vontade na areia fina da tua pele.
Boiava no ondular sereno do teu corpo e escutava o sono da noite embalado pela doçura dos teus gestos. Seguraste-me a mão debaixo da mesa. Os teus dedos assim presos na carne dos meus. Sempre gostaste das minhas mãos.
As velas soprando luz no carmim suave dos teus lábios. A música suave como um hino à tua beleza despretensiosa. Uma gargalhada acendia-te o rosto e o génio.
No meio das vozes que apenas ouvia sem lhes reparar nos rostos, procuravas o meu olhar. O amor assim trocado era o mais cómodo dos lugares. E lembrava-me das noites em que te amei. A mesma luz vinda do teu sorriso e a música suave da entrega. Os nossos dedos enlaçando-nos os corpos ao que as almas se haviam prometido. Ficavas depois horas com o teu rosto pousado nos meus braços. Os teus olhos fixos nos meus com o silêncio a flutuar no ar suave da respiração cansada. O teu corpo nu com a cidade e as ruas lá em baixo.
Sibilavas palavras quentes e doces no meu ouvido e ficavas lá a derreter-me a pele e a acender a vontade de semear o desejo no serpentear do teu corpo.
Perdia-me com o teu riso infantil e luminoso. Com a forma como o mundo parecia importar pouco no sentido que punhas nas coisas. Como nada parecia importar no estreitar sentido dos teus braços.
E nessa noite, como em todas as outras, tinhas na moldura do teu rosto a talha acesa do meu amor por ti.
Ao passares os teus dedos, de novo, na minha perna a voz escondida sob a pele da noite iluminou o fundo dos meus olhos para ti.
Como as estrelas no céu de uma noite qualquer.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Bar Rafaeli

So Sorry by Feist

Cristo de São João da Cruz de Salvador Dalí


Só tinha de ser com você por Fernanda Porto

Is this the so-called "inner beauty"?

British Museum.london.07

Remembering Tate.london.07

Warhol

Picasso


Dalí







Te Adorar por Gal Costa

Trova do Vento que Passa por Amália Rodrigues

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Grimus de Salman Rushdie

Sou um fã confesso dos livros de Rushdie. E eis que descobri a recente reedição deste que é o primeiro dos seus romances publicado em 1975. É uma mescla de ficção científica e de fantasia que conta a história de Águia Esvoaçante, um índio que se torna imortal depois de beber um líquido mágico. Depois disto, a nossa personagem passa 777 anos, 7 meses e 7 dias em busca da sua irmã imortal, Cão de Caça até que cai num buraco no Mar Mediterrâneo. Depois disto chega à mítica ilha de Calf onde aqueles que, cansados do Mundo, vivem a sua imortalidade sobre uma autoridade secreta e poderosa.
É na busca desta autoridade secreta e por pensar ser assim que encontará a sua irmã que a nossa personagem parte na aventura de subir a motanha de Calf até encontrar Grimus e acabar com o Efeito. Ao encontrar o responsável pelo domínio oculto da ilha, Águia Esvoaçante descobre parte da sua humanidade. É no significado mais profundo que se pode retirar desta saga que reside a magia deste livro. Um livro recheado de profundas reflexões sobre a vida e o seu sentido e uma fabulosa adaptação baseada no poema Sufi do século XII.

Salman Rushdie começou aqui o caminho que o levou até "Os Filhos da Meia Noite", "Fúria", "Shalimar, o Palhaço" - obras que devorei num ápice e que o tornaram num desses autores de eleição que garantem a priori umas horas muito bem passadas.

Jerusalém de Gonçalo M. Tavares

Há muito que os livros de Gonçalo M. Tavares me esperavam. Ler em épocas de exames como, de resto, fazer muitas outras coisas parece ser tarefa quase impossível.
Assim, resolvi começar por "Jerusalém" que é apenas uma das obras que integra o conjunto dos "Livros Negros". Logo no início somos encaminhados para o Salmo 137 - "Se me esquecer de ti, ó Jerusálem que se resseque a minha mão direita" e, mais tarde, veremos que a cidade de Jerusalém - palco de inúmeros conflitos, da exaltação exarcebada de ideais e crenças é aqui substituída pelo melhor hospício da cidade. É a partir dele que se desenha toda a trama. Desde logo, vemos uma linha algo ténue a separar aqueles que aí vivem do universo exterior e de liberdade.

Tudo começa com a história do médico Theodor Busbeck - símbolo máximo da auto-confiança e do controlo sobre si mesmo que acaba escolhendo Mylia para sua mulher. Esta, uma auto-denominada esquizofrénica, acaba por ser por ele internada no dito Hospício de nome Georg Rosenberg. É aqui que ela conhece Ernst Spengler. Estes vão viver um romance do qual nascerá Kaas, filho que é assumido pelo entretanto ex-marido de Mylia, Theodor.

É sobre a personagem de Theodor que se abate a grande moral da história e é todo o seu percurso que é devorado pelo mundo insano que julga poder controlar e prever. Enquanto se ocupa na análise do horror através dos séculos, confiando que será possível prever com alguma certeza quais os efeitos do terror e da violência no futuro, esquece-se do seu filho.

Quando Kaas se encontra com Hinnerk, ex-combatente que aterroriza as crianças do seu bairro, dá-se a grande lição. A de que é no mundo exterior que o mal pode estar em qualquer lugar e encontrar a nossa vida pelas mãos e face de qualquer pessoa.

Gonçalo M. Tavares constrói uma narrativa intensa com um final altamente simbólico cruzando os fios de vidas aparentemente distantes mas, afinal, mais próximas do que se imaginava.

Como diz o autor: "O mal surge a qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer pessoa. Existe uma vontade inconsciente de violência no Mundo. É preciso domá-la."

Gonçalo M. Tavares doma as palavras que nos dizem isto e fá-lo tão bem que no dizer do ilustre José Saramago "dá vontade de lhe bater."
Com uma violência consciente.