Via gente à sua volta. Rostos pequenos e dedos tocando livros velhos com o aroma do pó a soltar-se do corpo espesso e dormente do tempo.
Através do vidro, a luz desmaiava fina na terra húmida da chuva recente e os ramos grossos das árvores agitavam-se ao sabor do passo apressado do vento.
Via a vida - esse corpo que nos corre nas veias e o mundo como um súbito contínuo silencioso onde tudo se cumpria numa acalmia plena. E eis os nossos gestos; as nossas palavras e olhares a povoarem esse deserto de silêncio.
Reparava num toque gentil de alguém; num sorriso doce que principiava o seu trilho no rosto de alguém e na luz que daí nascia.
E, de novo, pelo vidro via agora as gotas que regressavam para beijar o chão como num ritual antigo a que tievsse vindo assistir.
Que sentido viemos dar ao mundo? Que sentido tem por nós o mundo? Sabia que os nossos gestos e rituais, como a chuva que vem beijar a terra, podem desaparecer. E, então, que sentido o nosso ruído no meio do silêncio natural?; no meio das folhas que bailam no vento neste dia, como em todos os dias, de todos os Outonos?
Que diz o nosso som? Que silêncio viemos nós ocupar com as nossas palavras? O que deixou de se ouvir?
Acreditava que viemos habitar o mundo para que do nosso silêncio nascessem palavras como beijos; palavras como longos abraços quentes. Acreditava que as nossas palavras vieram para encher o corpo que temos no sangue com o som dos que nos conta e do que conta essa vontade que primeiro connosco nasce sem nome e que se chama amor.
Acreditava que connosco nasce essa manta de vida com que cobrimos o silêncio e onde repousamos os nossos corpos e damos as nossas mãos.
Viemos povoar o deserto de silêncio do mundo com o som do amor - esse som grandioso e límpido como a água que caía no vidro da janela.
Connosco há sempre algo que acontece no silêncio - viemos dar ao silêncio o que ele nunca pôde dizer. Ele fala quando com um gesto de corpos próximos se diz tanto.
E se ele não estivesse aqui enquanto a chuva caía? E tudo fosse um espectáculo a que nunca ninguém veio?
E, de novo, o silêncio depois da chuva. Pensava que connosco, com a nossa luta para que sempre tenhamos quem nos beije como a chuva à terra; para que sempre se faça luz no rosto de alguém que sorri viemos dar ao mundo o sentido maior do que nunca emudece. Viemos mostrar que há uma voz maior que é a do Amor.
Essa que continua a falar mesmo quando no barro da terra se dissolvem as cinzas do que já fomos.
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