Rewind

sábado, 1 de outubro de 2011

"O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará"

A cidade era um mar de luz. Nas ruas, cães pachorrentos erguiam a cabeça levemente como esperando a brisa que lhes aliviasse o peso do calor espesso.
Encontrei a igreja flutuando no silêncio que é o lugar de onde nascem todos os nomes.
As paredes são grossas - tudo me lembra o que permanece, tudo me lembra esse abrigo que todos procuramos ter uns nos outros.
Há gente com a tristeza gravada no fundo dos olhos suplicantes - não ausculto que dores são as delas, que tormentas lhes dominam o pensamento. Acredito que todos nos recolhemos sob a sombra calmante da esperança - da esperança de que aquilo que vamos pondo na soma dos dias prevaleça sobre os desaires da vida.
No silêncio, lembro nomes cujo som ainda ecoa nas paredes dentro de mim - é para eles que as minhas palavras vão.
Penso nesse país que se desmorona - nas pessoas que são minhas amigas e que ouço pela noite dentro, e peço por eles. E na conduta deles - sempre persistindo sobre a vida, encontro Deus.
Lembro a minha infância - Deus era um cúmplice nesse desabafo do amor que é uma infância feliz. E, dentro de mim, renasce a mesma criança com essa absoluta vontade de amar como sempre lhe mostraram ser possível.
"O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará.", lembro-me eu.
E, de facto, enquanto me lembro daqueles de quem gosto, percebo que Deus sempre se manifesta na minha vida.
O Amor é como uma memória que não se apaga, que não precisa de corpos como prova da sua consistência. Do silêncio da vida, dessas horas mais difíceis do caminho, vale a pena arrancarmos esse principiar do amor e da entrega.
No silêncio, agradeço. Agradeço essa vontade de continuar em direcção ao outro, em direcção ao que podemos arrancar do silêncio para firmar sobre a areia da vida, compromissos de ferro.
Na saudade que sinto - como um hino que não cessa dentro de mim - vejo que há sentimentos que não condizem com a condição de homem, com a condição de um corpo e de um tempo.
E sei, hoje, que do amor que me deram, nasceu essa esperança constante de haver lugares onde temos de estar, pessoas que temos que amparar para nos segurarmos a nós na esteira da vida.
E Deus manifesta-se nessa maravilha da descoberta de noites que não são solitárias, de vidas que não são monólogos porque cosemos do outro lado do nosso caminho nomes que guardam a verdade sobre nós.
Sei que há dores que me atingem, contradições que nos dilaceram.
Mas, com a alma toda entregue nessa vontade de ajudar, percebo que o amor é um resgate que vale a pena pagar.
Uma velhinha sorri-me no banco do lado - despeço-me dela quando saio.
"-Deus o abençoe, menino."
Sorrio-lhe - saio para o mundo com esse consolo no peito de saber que, no meio da encruzilhada da vida, sempre encontramos alguém com quem aprendemos que, amando, nada nos pode faltar.
E, sempre que isso acontece, deixamos como prova desse amor a esperança que nos inunda o olhar porque, afinal, somos capazes de voar mais alto.

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