E talvez o espaço da memória seja o único do teu tamanho; talvez esse espaço sem tempo seja o único onde se pode demorar a saudade e ficar esquecido de tudo quanto sobra num tempo que, afinal, nunca chega.
Nasceste numa família que se habituou a esperar o nascimento dos outros quase como se, com isso, quisesse a vida ampliar a largura dos caminhos e o fundo do horizonte. Foi com o teu baptismo que se inaugurou mais uma casa - a do terraço como um promontório estendido sobre as nossas terras, com a Torre dos Mouros, ao fundo. Foi contigo que a família ganhou mais uma testemunha dessa raça de crianças louras e de olhos azuis-promessa como o céu de todos os Estios.
Trouxeste contigo do fundo do tempo essa inteligência mordaz, essa voz sempre do tamanho da liberdade que querias e não da que te pudessem impor. Trouxeste contigo uma mulher maior do que a vida, do que as circunstâncias e do que o próprio tempo.
A minha infância e parte da minha vida será sempre vossa - a dessas pessoas que me habituei a reconhecer na voz que ainda nos empurra para perto uns dos outros. Gostar de alguém é estar por perto e surpreender a alegria de estar vivo na partilha que se tem de cada coisa simples que nos acaba justificando.
Hoje teria sido o dia das toalhas de linho, dos bolos, das mesas grandes como corredores de luz em que estarias tu trazendo nos olhos um brilho de quem conhece os segredos da vida, da alma e de tudo por quanto vale viver no correr dos dias. Estarias tu no teu lugar da mesa - com as muitas sedas e as jóias que coleccionavas dando um brilho maior ao teu rosto alegre.
Lembro de ti essa generosidade imensa - contigo aprendi que não há sentimentos na imparcialidade, que somos partidários de uns e não de outros em nome da verdade do que somos.
Lembro de ti essas tardes nas férias em que me contavas, sob a sombra ligeira das árvores, histórias de um passado que sempre quis conhecer. Atavas-me nessa corrente que é uma família e fazias de mim testemunha desse crime de amar com um amor maior do que a vida.
E que é o verdadeiro amor senão um eterno resgate?
Falo com a Avó inúmeras vezes de ti, dos irmãos todos e da família que ela já perdeu. Sei que te lembrou também - ainda hoje se ri quando lembra o teu feitio, as tuas tiradas, as tuas disputas, as tuas conquistas. Falar de alguém é falar sempre no presente - este é o único tempo do amor, porque é o único tempo em que a vida existiu mesmo e em que pudemos, alguma vez, agarrar alguma coisa.
Hoje, mais do que tudo, lembro o teu sorriso e os teus olhos cúmplices a forjar aliados, a ver dentro de todos e tu a ficares orgulhosa por reconhecer em alguns de nós a possibilidade de futuro para as coisas tão bonitas que te ensinaram nessa casa de gente a transbordar no génio a violência do amor.
Temos saudades tuas. E na falta que nos fazes, mora a exacta dimensão do amor que te temos para sempre.
Parabéns!
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