Rewind

domingo, 31 de agosto de 2014

dizer-te,

dizer-te ao fim da tarde que está tudo bem
que hei de enlaçar nas palavras dos teus lábios todos os meus dias
e esperar apenas que sobre todas as coisas seja noite
e nela se escreva sobre pedra o nosso amor

dizer-te que o teu vestido rouba da luz um doce riso
que as horas na tua pele duram somente um instante
e esperar apenas que surjas tu por entre as árvores
e o regresso seja sempre a história dos meus olhos    

dizer-te que as minhas mãos buscam a manhã no teu olhar
que as flores se esquecem subitamente de morrer dentro das jarras
e desejar com todo o sonho que algures dentro de ti haja o meu nome
e que as folhas que caem sejam versos que a saudade num abraço fez para ti

dizer-te que te olho uma vez mais sempre que parto
que guardo o teu cheiro na pele como um antídoto
e deixar que a lembrança do que somos pouse na praia
e no vento se escreva de nós a eternidade

RM

sábado, 23 de agosto de 2014

ainda,

ainda trago na pele restos de sonho
e ainda ardem inteiras as estrelas que roubei ao firmamento do teu corpo
ainda és tu neste odor prolongado na dobra das palavras
como se o mar me enchesse de súbito o olhar

ainda caminho nas ruas agarrado aos teus braços
e ainda dançam restos das nossas sombras dentro dos vidros
ainda trago a língua amarrada na primeira sílaba do teu nome
como se a soma de todos os meus poros fosses tu

ainda leio cartas que enchem o chão do quarto de saudade
e ainda há retratos fechados no parêntesis da memória
ainda ouço música onde desliza o teu cheiro na letra que corre
como se na brancura inclinada da manhã todas as portas se abrissem

ainda trazem o teu cheiro as camisas quando me pousam na pele
e ainda és tu no quente do café que me afaga o peito
ainda digo calado as mesmas coisas muitas vezes
como se o Verão ficasse para arder depois do fim

ainda podes regressar nas palavras que não disseste
e abraçar-me mesmo depois do vento ao fim da tarde
ainda podemos deixar que a dúvida arda inteira sob o sol
e esperar um pelo outro nos degraus antes da noite


RM

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

janela,

como se desta janela se pudesse apenas ver o teu rosto
e a primavera trazida pelo vento fosse sempre a do teu corpo
como se neste vidro pousasse apenas a brisa do teu regresso
e as ondas desenhassem ao longe promessas no poente

como se este chão de espera aguardasse os teus passos lá no fundo
e se levantasse no ar que chega a alameda generosa do teu cheiro
como se nesta cama os teus beijos fossem caligrafia de uma saudade antiga
e a minha boca repetisse o teu nome por entre as sombras

como se neste quarto ardesse mais uma noite de promessas
e os meus dedos fossem o ar que desperta o galope do teu peito
como se viesses recolher as estrelas que caíram dos meus olhos
e ainda houvesse uma réstia de chama nos teus dedos

como se pudesses esquecer-te de partir por uma vez
e cortasses a distância com os passos amplos de um sorriso
como se me esperasses deitada sobre o bem que fizemos junto ao mar
e a minha boca se abraçasse para sempre na luz da tua

RM 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

pelas palavras,

pelas palavras continuarei o teu rosto na luz da manhã
e dele cairão sobre as tábuas do quarto bocados do mar que trazes dentro
pelos verbos moverei o teu corpo dentro dos meus braços tantas vezes 
que outras serão as palavras depois de acesas as bocas no infinito da noite
como ondas que viessem de um mar que ainda espera um rio que o beije

pelas palavras chamarei os teus braços a fazer batota com o tempo
e deles se escreverão regressos com dedos que se enlaçam nos caminhos
pelos nomes inventarei novas estradas na oblíqua saudade do teu corpo
e tantas serão as janelas abertas na paisagem da memória que te guardo
que haverá sempre na areia sobre a cama o cheiro de um verão esquecido de partir

pelas palavras morderei mil vezes com os olhos o pomar que o teu cheiro bordou junto de mim
e desses ramos cairão maduros todos os advérbios em que se amadurece o tempo da espera
pelas vírgulas se recuperará o fôlego de um beijo mais voraz dentro da noite
e se surpreenderá no azul do céu uma brisa inquieta de promessas
como se a vastidão generosa do céu do sul viesse para ficar

pelas palavras conjugarei por ti o tempo sem medida de mil vidas
e nessa praia soltarei livres os cavalos e o poente dourando-te os cabelos
pelos pontos finais calarei o ruído inútil contra as rochas que se erguem
e nelas de nós como epitáfio se dirá apenas que há o futuro
do adeus que nunca aprendemos a dizer

RM



domingo, 3 de agosto de 2014

vou para mais perto do mar,

vou para mais perto do mar
para lembrar melhor o princípio do amor que te guardei
e o teu rosto que meus olhos encontraram sem querer

vou para mais perto do mar
para lembrar melhor o princípio do teu nome no meu sangue
e quantas foram as flores que nasceram para eu te dar

vou para mais perto do mar
para lembrar melhor o sumo da tua boca dentro da minha
e o infinito que coube no céu das noites que nasceram da primeira

vou para mais perto do mar
para lembrar melhor a janela por onde entrou a maresia dos meus sonhos
e contar, por entre as rochas que se erguem,
quantas são as ondas que chegam para dizer saudade

RM

não sei,

não sei o que chamarei a esta cama sem ti
e sem nela ficarem as cinzas das horas que queimámos no silêncio
não sei que olhos chamarão os meus dentro da noite
e que mãos serão as que nas minhas abrirão os vidros devagar

não sei quem rirá a dançar dentro de uns braços a levantar poeira
onde o coração escreveu o teu nome sem pensar
não sei que rosto encontrará a luz no seu passeio
se acaso a sombra se tornou maior depois de ti

não sei quem cobrirá de tinta as sílabas doces do teu nome
para deixar aberta no papel a porta por onde chegarás vinda de longe
não sei quem te ficará esperando com um sorriso esquecido no rosto
como se ao sorrir fosse mais fácil inventar 
um regresso por entre luz que cai na tarde longa
 
RM