Gó,
Toda a minha vida achei que os teus olhos eram de açúcar.
E, toda a vida, achei que a nossa felicidade foi uma receita que tu ajudaste a cozinhar - só tu sabes quantas colheres de paciência, de infinita bondade, de genuína adoração teve sempre o amor dos Avós,
quanto sofrimento e superação houve na nossa casa,
em cada uma das vezes, sei-o bem, a nossa sorte era a tua sorte, a cada percalço o teu coração tremia com os nossos.
Visto do teu colo o mundo era todo um enorme abraço - achava eu, todas as pessoas tinham que ser como tu e trazer uma luz inteira na verdade com que se entregam, com que ficam, com que sofrem, perdoam e permanecem.
Foste uma almofada a que o meu corpo sempre se agarrou - os braços enrolados no teu pescoço alto, as provocações que me perdoavas por entre gargalhadas - eu a medir, sem saber, a força da tua fé, a querer saber se me amavas a mim e ao A. acima de tudo, apesar de tudo, para lá de tudo.
E amaste. Sempre.
O teu amor, o dos Pais e o dos Avós foi, para mim e para o A., o milagre maior das nossas vidas.
Fomos sempre amados sem medida, sem comparação, sem interrupções e sem distâncias - talvez por isso, digo eu, só vos ame verdadeiramente a vocês.
Não chamo amor a outra coisa que não traga a medida do absoluto que vocês me ensinaram ser possível.
Quem ama como vocês nos amaram é como um céu que deixa brilhar somente a quem se quer muito e, justamente, eclipsa tudo o resto.
Não tenho, por isso, meu amor, nome para os meios-sentimentos, para as quase-palavras, para as meias-verdades e para o estar-mas-ao-longe com que a maioria das pessoas diz que ama os outros.
Dizia-te sempre,
Gó, tu dás-me colo agora e eu dou-te mais tarde!,
Prometi-te, um dia,
Gó, nunca vais estar sozinha, ouviste? Eu levo-te para minha casa, tomo conta de ti e pronto!,
Tu rias-te mas sabes que seríamos incapazes de te largar a mão.
Há um tempo, no velório da tua irmã Maria, as pessoas,
É da família?,
e tu, muito rapidamente,
É como se fosse,
E que orgulho tenho em seres da minha família - no meu sangue há, de facto, tanto de ti - todo o açúcar do teu amor honesto e simples, todo o carinho em flor, a lembrança viva de cada uma das lições, das piscadelas de olhos, das corridas no terraço, das idas à missa, dos caminhos para a escola, dos bifes com ovo do domingo à noite, de todas as velas que acendeste no escuro da minha vida.
O meu amor por ti é maior do que tudo o que as palavras deixem aceso depois de ditas.
Mesmo assim, minha querida, podia falar-te uma vida inteira - muito pequeno dei-te a chave do meu coração e deixei-te morar nele para sempre.
És como uma daquelas salas das casas grandes a que se volta para nunca esquecer o quão feliz se foi.
É isso - tu lembras-me da criança que corria num terraço; um terraço onde tu, os Avós e os Pais eram, justamente, o céu onde eu e o A. brilhávamos mais alto nessa felicidade inteira e afiada como um raio de sol.
Hei-de gastar uma vida toda a amar-te e, com isso, a agradecer-te.
Obrigado por tudo, querida Gó.
Acende uma vela no escuro, se puderes, e demora-te por cá.
É desse milagre que eu e o A. precisamos
e de um,
Vai correr tudo bem, meninos, vão ver,
só para haver um terraço,
duas crianças que correm,
e um amor que elas acham que será eterno.
Parabéns!
RM| IV|III|MMXVIII
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