Meu querido Avô Adélio,
Volta nem que seja para um abraço.
Eu, prometo-te, preparo tudo - o teu cadeirão de orelhas largas, o couro e a pregaria com o cheiro a tempos felizes; a limonada fresca para os gumes afiados do calor e, claro, uma brisa que relembre às árvores que a sua sombra é, outra vez, um abrigo para nós.
Sabes, meu querido, se, mesmo assim, não for fácil convenceres quem quer que seja que te tem, diz-lhes, por favor, que há, ainda, um areal inteiro de sorrisos por desenhar nos lábios da Mãe - ela ia gostar tanto dos teus dedos longos presos nos dela, do teu olhar que acenava de longe e que era como uns braços abertos assim que te víamos.
Não sei como te contaríamos tudo quanto se passou na tua ausência - talvez, na verdade, a mobília tenha ficado, todo este tempo, no mesmo sítio - a tua cadeira sendo tua até ao fim dos tempos, a casa um mapa onde a tua existência e os teus passos sempre se sentiram - ninguém conseguiria, eu sei, viver num mundo onde nunca tivesses existido.
Logo eu, um falador nato, acho, somente, que ficaria agarrado a ti como um sol que teimasse em não se pôr, que pudesse atrasar o escuro, adiar o gole voraz da noite e da partida.
Quem ama quer, hoje, que a tua cadeira está pronta, a limonada se serviu e há uma sombra gentil e fresca a dançar no jardim, que os despertadores não toquem - por amor, que tudo se atrase, se prolongue, se demore e ninguém nos lembre de outros lugares - não há nenhum outro lugar que importe, sabes?
Sorris-me do fundo das molduras - eu recordo-te sempre porque, quem ama, é como uma nascente que, embora correndo todas as vezes em direcção ao mesmo lugar, não se importa de levar na corrente a mesma vontade, como um vício benigno, de chegar a casa.
Iremos sempre para perto de ti, meu querido.
Espera-te o teu jardim,
a cadeira de couro
e a limonada fresca.
Volta para um abraço que seja, por favor.
Hoje a noite não tem hora para começar.
Obrigado por tudo.
Parabéns!
RM| XXIII-VIII-MMXVIII