Há, segundo creio, uma espécie de geografia dos afectos - somente o amor povoa as grades das nossas costelas das flores mais bonitas, de flores que nunca murcham.
Há uma primavera-para-sempre que começa quando nos escolhem para ser a terra, o berço dos sonhos mais bonitos; há um baú que quem escolhe o amor acaba sempre sendo - o perfume intenso das velas sempre acesas debaixo das memórias que a maré do tempo não apaga nunca.
Há uma paisagem que somos nós e, no fim de contas, quem amamos é o mapa que torna possíveis todos os regressos, todas as emendas, todas as vezes em que o caminho prossegue, se espreguiça, se alarga e nos leva juntos até ao fim e não nos afasta de nós mesmos.
Os meus olhos foram sempre janelas abertas - memorizei, como pude e com a alegria do coração, todas as formas de voltar a casa.
O abrigo que vocês me são, bem sei, tem a porta no trinco - entro, subo as escadas - os dedos, como sobre a pele de alguém conhecido, percorrem sempre as paredes todas; há no ar o perfume da infância que as jarras preservam e fazem boiar.
Quem ama não tem nunca um silêncio calado - há um alvoroço nas entranhas, há um soalho que treme porque alguém nos trepa os ossos e nos assombra com luz o sótão da memória.
Amar é sermos, para sempre, uma casa habitada - a mobília que trazemos dentro é feita, justamente, de todos quantos nos ensinaram o coração a girar o disco do amor.
E o amor é uma dança que não tem coreografia - começando a música, nada há de ensaiado, de repetido - tudo é um milagre; o espanto no leito aceso dos olhos e uma vontade de, mesmo que de improviso, os corpos não se descosam, não se deslacem, se não separem jamais.
A minha fé veio toda do altar que tem sido o vosso colo - por isso, obrigado.
Há uma geografia dos afectos, dizia.
Eu, pela minha parte, serei sempre a vossa morada - por perto, o mar e as portadas dos olhos sempre abertas.
A porta no trinco e um silêncio nunca calado.
Cá dentro, a música que alguém, um dia, pôs a girar e que se chama amor.
Subam as escadas, pisem-me o soalho do sangue e encham de luz o sótão todo da memória.
Passem, já agora, a levar as flores que plantaram na varanda de ferro das minhas costelas.
É primavera-para-sempre, sabiam?
E as jarras têm de cheirar, até ao fim, à alegria de uma infância feliz que não pode acabar nunca.
Amo-vos.
RM| XII-VIII-MMXVIII
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