Rewind

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comfortable

"To laugh often and love much; to win the respect of intellingent persons and the affection of children; to earn the approbation of honest citizens and endure the betrayal of false friends; to appreciate beauty; to find the best in others; to give of one's self; to leave the world a bit better, whether by a healthy child, a garden patch or a redeemed social condition; to have played and laughed with enthusiasm and sung with exultation; to know even one life has breathed easier because you have lived - this is to have succeeded."
Ralph Waldo Emerson

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"E o silêncio estremece/como se fosse a hora de passar alguém/que só hoje não vem".
(Miguel Torga)

Autumn leaves

autumn leaves by Nat King Cole -

Para lembrar coisas perenes da vida.

"Salta!"

Um dia destes, no meio da cidade de sempre, a vida que só acontece às vezes veio ter comigo. Confesso que ia numa dessas horas perdidas, sim, numa dessas horas que se consomem no intervalo da vida. Como o desejo que temos do que se vai passar a seguir. E, como dizia, lá ia eu não a passar o tempo, mas a consumi-lo, quando passam por mim um miúdo que devia ter a minha idade e uma pequenina que tinha a idade da inocência, essa que parece nunca acabar.
Era um miúdo normal, alto, muito maior do que a miniatura enfiada naquele vestido catita que o vento, sem malícia, às vezes, levantava um pouco. Iam os dois, lado a lado. Ele olhando-a com toda a ternura e o cuidado que os seus olhos mostravam. Ou mais, nunca se sabe. Ela com a graça leve de se sentir protegida.
Ela, do nada, com uma voz de algodão-doce diz: "Salta! Faz como eu! Vês? Eu consigo saltar!"
E ele: "Saltar? Eu?! Ahhh já consegues saltar."
Não ouvi mais a conversa. Mas fiquei a pensar. E descobri que não devemos deixar que a criança que há em nós desapareça e leve com ela o despudor e o suor da liberdade.
Ela saltou. Só depois reparei que, ali ao lado, do lado de lá de um portão enorme, estava um cemitério.
E tive a certeza de que ela, apesar de mais pequena, foi quem chegou primeiro ao Céu.

A felicidade

"Era uma vez um homem que corria e corria pela vida... A vida era curta e necessitava de correr muito para gozar muito e ser feliz. E quanto mais corria, mais necessitava de correr. Descobria sempre mais lugares para visitar. Necessitava encontrar tudo e gozar de tudo. Até que um dia, cansado de tanto correr, parou. Então, a felicidade pôde apanhá-lo. "
Pe.Vasco Pinto Magalhães
PS: Obrigado Joana, minha ardina de eleição. Por tudo. Por poder estar cansado e te encontrar.

EYP - Tallinn 2003







Imagine (John Lennon) - 08
"Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até à morte o direito de o dizeres"

Voltaire
PS: Foi há cinco anos. Foi ontem e será sempre. Nosso.

Nothing really ends by dEUS

Nothing Really Ends - dEUS

"I once told a friend
that nothing really ends"

Desconversas

"Ningém sabe como nem quando a Humanidade começou a conversar. Há várias teorias, mas a maioria delas é só conversa.
Sabe-se, porém, uma coisa muito mais importante e, para nós Portugueses, motivo de orgulho e de prestígio internacional. É que foi aqui, em pleno Portugal continental, que dois compatriotas nossos inventaram a arte de desconversar. Já lá vão mais de oitocentos anos. Um cronista anónimo registou o primeiríssimo caso de desconversa, num encontro, em Guimarães, de Dom Afonso Henriques com sua mãe, Dona Tareja. Disse a senhora: "Então queres lutar contra a tua mãe? (segue-se um gatafunho indecifrável que talvez seja " Ó meu malandro", mas não garanto) Respondeu o fundador da Nacionalidade: "Eu? Lutar contra a minha mãe?" Retorquiu Dona Tareja: "Isto está de chuva, está..." E Afonso: "Se não estiver sol..." E Tareja: "Deixa lá que faz bem aos gatos..." E finalmente o filho, historicamente: "Pois - ouvi dizer que hoje em dia não querem outra coisa senão pôr os bigodes à chuva..."
Assim se faz a História. Não passariam mais de sete anos até se dar uma segunda ocorrência. E chega-se à grande epidemia da desconversa de 1580-1640, durante a qual a população inteira do país passava o tempo a desconversar com os Castelhanos. Dizia um (eu traduzo): " Este vostro país é mui guapo." E respondia o portuga: "Então, se é guapo, porque é que não guapas lá para a tua terra?" O castelhano, sem compreender, sorria e dizia: "Perdão? Não percebi..." O português, contente por poder continuar a desconversa, respondia: "Não percebeste? Estava a dizer que vocês castelhanos só me fazem lembrar a presença cubana em Angola..." (Note-se que um português, só para desconversar, é capaz de ir ao ponto de prever o futuro.)
Hoje, a desconversa está tão rotinizada em Portugal que às vezes recorre-se a especialistas estrangeiros, como o Professor John Searle, para distingui-la da conversa propriamente dita. (CT. "Para uma Teoria da Descominicação, Boletim Brasileiro das Grandes Traduções, Foz do Ipiranga, 1985). Pergunta-se se a Avenida Almirante Reis é para a esquerda ou para a direita e a resposta não se faz rogada: "Dê-me uma esmolinha para o Santo António..." Dá-se a esmola e diz-se: "Santo António? Mas o Santo António não é em Junho?", e ela, já de caminho: "A Avenida Almirante Reis é em Lisboa, não é aqui no Porto..."
Só a desconversa académica dava uma tese de doutoramento. Recode-se. Um gordo e um magro a falar num colóquio sobre " O Pescoço". Ambos correm atrás do microfone volante que um empregado enfastiado vai sabotando para se distrair. Ambos parecem falar "um" para o "outro", mas na verdade interrogam-se um contra o outro, dizendo que " Já Foucault dizia que um pescoço é mais um poder indefinível do que um poder segurar a cabeça.", entre outras coisas sobre pensadores franceses e as capas da colecção Vampiro. A comunicação mais real entre os dois ainda é o feedback a sair pelas colunas.
Aos Portugueses, porém, não bastava desconversar. Somos um povo muito positivo e por isso levamos a coisa mais longe e inventámos o desmentir, arte retórica que pode dar uma nova frescura à desconversação. Um polícia reboca-nos o carro, conluiado com aqueles energúmenos de fato-macaco que diariamente arrastam a fama dos "pronto-socorros" pela lama e nunca têm a coragem de nos olhar directamente nos olhos. Depois de meio quarteirão de sprint (ao menos isso, uma excelente preparação física para um enfarte do miocárdio), chegamos ao pé do "Senhor Guarda". Só de dizer "Senhor"com os dentes tão cerrados arrancam-se da boca dois ou três pivots. E dizemos: "O Senhor Guarda desculpe, mas não se importava de me devolver o carro, tenho pressa, tenho uma tia a morrer no hospital e uma explicação de matemática às cinco e meia"
O guarda puxa do bloco - hoje em dia são tão chorudos os lucros da PSP no combate feroz ao crime do estacionamento, que até dão blocos de multas em papel Elco James - e diz cordialmente, sem poupar uma só palavra para tranquilizar aquele cidadão aflito: "Documentos..." Ora, os polícias portugueses são os mais bem-educados e compreensivos da Europa periférica, mas às vezes calha um menos afável que de algum modo conseguiu resistir aos novos cursos de formação da PSP. E pronto. Aparece sempre nesta altura (e que se lixe, porque é fácil escrever para Inglaterra a pedir que transfiram a assinatura das revistas para o Limoeiro) perguntar: "Desculpe, Senhor Guarda - não percebi... qual é o sujeito e o predicado dessa oração?" Procura-se nos bolsos e não se encontram documentos nenhuns, à excepção de um talão de lavandaria e dum plástico com dois bocados grandes de haxixe: "Deixei-os em casa, Senhor Guarda, a minha mulher teve de ir à Caixa leventar a minha pensão de invalidez e eu... pois... olhe... veja lá... pois não os trouxe, não." O guarda dá um grunhido na direcção do reboque, grave e curto, como o som de um javali a fazer testes para um spot de pastilhas veterinárias contra a rouquidão. Isto significa, no código secreto entre polícias e reboques, "Anda lá com essa merda..."
O carro começa a andar e nós, com o nervoso ou a valentia, insistimos: "Este carro é meu, Senhor Guarda - quer que eu lhe diga o que tem porta-luvas?" É aí que o polícia se esmera na oratória: "Sem os documentos comprovativos da propriedade da viatura, a viatura é considerada de propriedade incomprovável, pelo que devrá dar entrada no paque da Polícia de Segurança Pública de Alpalhão, até comparecer o proprietário da viatura, munido dos devidos documentos."
Se dissermos: "Estou-lhe a dizer que é meu", olhando para aquela triste carcaça do primeiro INSU de três rodas a ser montado em Portugal, corria o ano de 1952, e cismando se vale o não a pena aproveitar esta oportunidade única e nunca mais o ver, o guarda diz logo a frase mágica: " O senhor está-me a desmentir?" E aí mais vale continuar a desconversar: "O Senhor Guarda desculpe perguntar, mas o senhor não é aquele rapaz alto que aparece a fazer wind surf no anúncio da Coca-Cola?"
Desmentir está para desconversar como mentir para conversar. Quando se insiste que "Pois, estou-te a desmentir, estou! Alguma vez foi preso o meu pai?", outro, começa logo a desconversar: "Ó pá pronto... Fui eu que imaginei... Houve um gajo qualquer que chamou por mim da carrinha e gritou para eu te dizer que não te esquecesses de tomar o antibiótico, mas deve ter sido impressão minha..."
Desconversando e desmentindo, é ainda pelo espírito positivo que o português acrescentou o Desfazer, com a agravante de já não lhe bastar uma única negação. Os prefixos negativos são como a heroína: quanto mais se usam, mais se precisam de usar. E é assim que o verbo Desfazer se faz sempre acompanhar por um "Não." Imaginem dois cineastas portugueses a fazer repérages a uma garrafa de Cutty Sark no Metro e Meio. "Então?", aventura-se o que se julga mais talentoso, "O que é que achaste da minha última fita?" O outro olha para ele, ajusta o foco e consegue finalmente o enquadramento desejado: "Quando é que estreou?" O talento ri-se, gozando o frissom de ouvir alguém dizer que se "estreou" uma obra dele, como se fosse um filme normal. "Ó pá, tu não te lembras? Foi a fita que inaugurou o Estúdio 444!" De repente, o magro perde o balanço do uísque todo, fica sóbrio e regressa, relutante, ao mundo dos vivos: "Ó pá, não é para desfazer, mas quando me lembro de ter visto a tua fita sinto que é a melhor maneira de me identificar com a memória traumática dos sobreviventes de Hiroshima." O gordo pensa um pouco e diz: "Parece que agora vou fazer outra..."
Desconversando, desmentindo e não desfazendo, os Portugueses falam entre si como se estivessem condenados à leprosa companhia uns dos outros. Perdeu-se entretanto a arte de conversar. A ideia de duas pessoas numa sala de estar, sem música e sem vídeo, a trocar opiniões acerca de assuntos interessantes, sem copos e marmeladas, é o suficiente, em casos graves de envenenamento, para pôr qualquer adolescente a vomitar.
Hoje desconversa-se e desmente-se. Até a arte de mentir está pela hora da morte, porque, não havendo hipótese de conversa, nunca surge a oportunidade de mentir. Antes de se contar uma boa mentira, daquelas que dantes se diziam "por dá cá aquela palha", só para ajudar a passar o tempo ou a camisa do marido a ferro, já há alguém, lançadíssimo, a desmentir-nos.
Mas assim também tem graça, convenhamos. Tem cá uma graça. Até tem. É mesmo de morrer a rir."
Miguel Esteves Cardoso in "A Causa das Coisas"

Viver sempre também cansa

Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
'Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.'
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira
PS: Obrigado, Teresinha.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Estórias

anuncio super bock (versao cinema) -

Eis o melhor reclame do ano. É bom lembrar com ele as pessoas, os lugares, os momentos, o Porto. Os nossos lugares, as nossas pessoas, os nossos momentos, o nosso Porto. Com o sabor próprio de quem os vive e passa por eles. Sim, esse sabor da memória. O único, o mais autêntico e o que acaba ficando.

PS: "E as tuas mãos foram minhas com calma"

Tina

Private Dancer (2002 Digital Remaster) - Tina Turner

PS: À memória da primeira de muitas mulheres que me fez sentir pequeno. Aqui fica a homenagem, pois então!

Mrs Robinson

Mrs Robinson - Simon and Garfunkel

Here comes the sun

Here Comes The Sun - Paul Simon and George Harrison

Como muito bem me disse o meu dermatologista, Prof. Aureliano da Fonseca: "Nunca se esqueça que, apesar das nuvens, o Sol continua lá."

Bridge over troubled water

Bridge over troubled water - Simon and Garfunkel

PS: Para aqueles que, de facto, estão aqui. Sempre. Obrigado. Um obrigado nas palavras da minha música favorita. Como eles.

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
-
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
-
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
-
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
-
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não
. -
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Arqueologia do amor

Quero-te mais do que posso. Quero-te mais do que me deixa o ar. Quero mais do que me deixa a vida. Continuarei a amar-te por todas as curvas do tempo. E quando o Mundo se esquecer de nós, porque temos de o deixar e não o podemos visitar, como a um velho triste num banco de jardim, gravarei o nome do nosso amor no tronco de todas as àrvores. Gravarei fundo o teu nome bem junto ao meu na pele de todas as àrvores.
E mesmo que o Mundo caia e todas as copas verdes, um dia, desabem até à última, o nosso amor será o ar e a terra com cheiro a "para sempre" e sabor a pele quente. O nosso amor será sempre. E soará sempre a nós a quem o descubra, bem fundo na terra, com raízes mais fundas que o próprio ser. Um amor daqui. Deste Mundo que só tem o nosso nome. Para lembrar a quem o descobrir que o amor é isso mesmo: terra e ar em cada um dos poros, em todos eles. A nascer todos os dias. Mesmo sem nós.

Ao meu lado

Encontra-me também no escuro. Reconhece também desta vez o meu corpo. E adivinha-lhe a gargalhada funda e fácil. Vês como sou eu, ainda? Aí nesse bréu estou eu e o que é de mim. Procura-me a mão no véu viúvo da noite e agarra-a até que o dia nasça. E mesmo que o próximo dia não seja amanhã, nem depois, espera comigo a luz. Com a tua mão na minha. Todos os dias até ser dia.
Ama-me também no escuro. A luz está do outro lado. Mas tu estás deste comigo. Do meu lado. Seja ele qual for.
"Da distracção da maioria se faz a profundeza de alguns"
Vergílio Ferreira

domingo, 26 de outubro de 2008

My way

I did it my way - Frank Sinatra
Dá-me sempre a pureza das tuas palavras. Deixa que nelas me lave e me digam quem sou.

O acreditar


Vem segredar-me aos ouvidos as maravilhas do Mundo. Prova-me que ainda acreditas nele. Não quero acreditar sozinho numa coisa tão grande. Ou tão pequena. Tenho medo de não ser cuidadoso com este "acreditar". Acreditar é como a mais acutilante das sedes. Bebes desenfreadamente e não adormeces a secura.

Temo não saber esperar. Às vezes, o medo infiltra-se nos ossos e o corpo pesa demais. Não consigo esperar com o medo de que não aconteça. Sei que me vai doer. O não agir, o não fazer não significa que tenhamos conseguido ensinar à nossa natureza e ao nosso coração a virtude da paciência.

Apesar de nada fazermos, estamos à espera. Que é como se alguém andasse a mexer cá dentro, mas sem as mãos. À espera que o sonho apareça no meio do Mundo cheio de coisas nossas, mas tão pouco meu.

Diz-me que para lá do asfalto, do cimento e da areia e dos sinais de trânsito e pedras do passeio, acreditas.

E que esse sonho será uma coisa que viveremos acima disto. Apetece-me ver de cima. Que é o mesmo que sonhar. Mas junta-te a mim. Ou pelo menos concretiza o meu desejo e põe aqui o teu corpo para que não seja só a minha vontade sozinha a por-te lá.

Vem comigo. Não te posso prometer a mais bela das travessias. Mas pelo menos se formos dois a acreditar, já não terei medo de passar nos amarelos dos cruzamentos da vida. Com o teu acreditar terei outras vidas que viver. E poderei ouvir-te falar da semente que o mundo te deu do que não tens. Deu-to e, nesse dia, começaste a sonhar.

Conta-me do bom que viste, só para saber que há mais. Fala-me do mal que viste e viveste, só para saber que o bem que vimos e vivemos os dois, é mais certo que todos os arbítrios da vida.

Chora todas as tristezas comigo. Também aí, se choras, é porque não deixaste de acreditar e te dói. Deixa-me vestir a tua pele, nesse momento. Quando deixares de acreditar em ti, eu acredito por ti. Em ti.

Fala-me das maravilhas do Mundo. E aqui, sentado ao pé de mim, és o meu búzio que, por mais longe que esteja, fala sempre do mar. Porque acredita.


O muro

Diz-me que ainda te lembras do muro. Sim, daquele muro naquela rua da nossa infância. Um muro resistente, duro. Um amontoado de pedras escuro e rugoso. Diz-me que te lembras de nós ali, parados. Dia após dia. Sempre que me afastei daquele nosso sítio, vi-o como o local onde esperei tudo o que me aconteceu depois.
Foi para este desaguar de dias que se encaminhou a nossa comunhão naquelas pedras? Foi para isto que o Mundo juntou as nossas pulsações; para que trocássemos de vida, quando elas nos pesava demasiado?
Que bom que foi ver dali a hipotermia do céu, quando o sol de esfiapava no infinito.
Que bom foi o mar de azul infinito dos teus olhos. Que bem me soube o afago silencioso da tua mão pequena. Esse gostares de mim, só porque sim. Nunca consegui dizer porque gosto tanto de ti. Ainda bem que não consigo isolar uma só coisa, que brilhe mais do que as outras. Todos os passos do resto do caminho já os deste. Tens tudo.
E esse tudo, esse termos percorrido todos os caminhos e nada nos ter separado, diz-me que és para mim como cada uma daquelas pedras. Sólida e concreta. E que bom que é quando me encosto à minha certeza de ti e o teu calor leva para longe a correnteza traiçoeira da vida.
Outro dia passei pelo nosso muro. Estava repleto de flores roxas. E no mesmo sítio. E lembrei-me de ti. Sempre a mais sólida das pedras e a mais frágil das coisas, como uma daquelas flores.
Parei e a memória de ti veio encontrar-me, ali. E de novo nos vi na nossa fidelidade ao sonho. A esse sonhar com a certeza de que só o queríamos real se acontecesse aos dois.
Que bom termos ainda a vida para sonharmos. Onde quer que esteja farei de todos os muros o nosso. E de cada um dos dias novos, um pretexto para sonhar, mais uma vez. Só para te ter nesse sonho. E inventarei as flores, no frio das lâminas da invernia. E tu estarás lá. Como o mais perfeito dos sonhos feito carne.
E continuarei a sonhar. Sem medo. Porque sei que um dos sonhos se realizou e está ali. Vivo mesmo depois de infinitos acordares. Sólido e resitente. Como a mais singela e ínesperada das flores. No nosso muro.

O amor

Como descrever o maior dos amores? Com que exacta combinação de palavras, fazer o decalque do que me habita e parece o mais perene dos existires? Não sei as palavras do meu amor. Não lhe sei decifrar o ritmo, a valsa. Não lhe sei a forma. Para to dar assim como o mais belo dos bocados de mim. Deram-me o impulso, o turbilhão; a serenidade e tudo isso junto e seguido e alternado. E alternando dentro de mim, mas sempre com a mesma voz e a mesma palavra, mas numa escala diferente.
Uma voz muda, um baque forte que se alastra e semeia. E se multiplica e me sai do corpo pelo ar. Deram-me um amor sem som. Um amor a quem nunca descubro a forma, apesar de sempre tentar. Não consigo segurar a luz nas mãos fechadas para ta dar. Ela escorre por entre os dedos para iluminar as partículas infímas do véu do ar.
Como dizer tudo e sempre e a cada momento com as exactas palavras? Não cabe nas palavras. Não cabe na vida que tenho. O meu amor é a vida de véspera. Mas sobra-me ainda muito, para além das horas que se contam por aqui. Fica sempre de fora o resto. O resto que é tanto.
O meu amor existe no verde das folhas, no orvalho das ervas. Existe nas luzes da nossa cidade. Existe em cada gargalhada perdida. Existe na espuma das ondas. Existe no vento frio e na chuva que te rega a pele.
Existe nas mesas dos cafés com o calor das vidas que por ali passaram. Existe na vertigem livre do voo picado de um pássaro solitário, por entre os flocos de nuvens.

Existe no mal e na dor do Mundo. Existe nas despedidas e nas lágrimas e sulcos das faces de toda a gente. Como algo que não nos atinge. Ou pode atingir e por poder atingir-nos, nos faz amar mais e mais de perto. Sempre a encontrar o nosso lugar num lugar com a mesma medida dos desaires do Mundo. O meu amor é feito do silêncio. Daquilo que sempre fica por dizer - sempre há mais uma flor que desabrocha, mais uma lágrima que serpenteia. E tudo isso cabe aí. Nesse contínuo, sempre igual. Sempre igualmente maior. E por isso me parece o silêncio ser o mais fiel guardião do que sinto - esse contínuo onde cabe tudo. Como tudo o que deixei debaixo do arrepio fácil da tua pele. Lê no Mundo a nossa medida. E não te esqueças do céu. De onde nos assistem as estrelas. A nós e a este espectáculo. Sempre a brilhar. O corpo do meu amor é isso mesmo. O céu com o pó silencioso das estrelas que, nas noites mais escuras, parece tanto o teu, cheio de pequenos sinais, que já sei de cor.



L.O.V.E -


Uma memória

Acredito que saberás onde me encontrar. Não imagino do que me fizeste aí dentro. O que exactamente guardaste de mim, por entre a poeira suja e alta do Mundo. Ou imagino ou quero imaginar que aí dentro está tudo o que sou. E que me irás encontrar. O mundo fala-me de ti, sabes? Lembra-me as horas leves, acima do tempo e do seu espartilho. A minha memória recorda-te os passos e a exactidão de um olhar, banhado de luz, numa tarde de Outono. Não sei de que exacta matéria é feita esta memória. Talvez dos bilhetes de cinema, dos restos da vida de ontem que comeria amanhã e todos os dias. Até ao fim.
Gostava que te visses na minha memória. Que visses o que afinal fui eu capaz de inventar ou de adivinhar. E guardar como a mais absoluta das certezas. Tenho saudades dessas dádivas de que lembro a forma, o corpo e a intensidade com que mas deste e as guardei. Mas começo a esquecer-lhes a voz. Essa voz só tua.
Como uma música serena, num dia quente, na telefonia. Com a alma a boiar, livre do peso do Mundo.
Queria que as tuas palavras soubessem ser a luz que ilumina o escuro do meu silêncio. E que sentisse que me decifras, mesmo nesse meu silêncio teimoso.
Espero que no espelho dos meus olhos vejas o lastro de tempo que te fez um bocado de mim. E que mesmo que me recordes de maneira diferente, no meio das vagas do tempo que passa, o mundo tenha sido generoso e a humidade dos afectos se tenha também infiltrado aí.
Não estragues essa memória por favor. Porque mesmo que não a digas verdadeira, não a destruas.
Eu estarei sempre contigo. Nem que seja no sol que se derrete no mar. E promete o amanhã desconhecido. Há quem vá pelo medo. Eu sigo pela esperança.
Até um dia. (Espero que seja o mesmo.)

Eldorado


"-Apetecia-me fumar um cigarro"

"-Não fumo."

"-Dentro do carro?"

"-Se não fumo, não fumo nem lá fora nem no carro."

"-Acho que isso é um atitude de facho."

"-De facho? E porque não falas tu do meu direito a que não fumes cá dentro?"

"-Não te proíbo de fumar lá fora."

Fazes-me falta

"Dormi muito pouco, nessa noite, mas aos grandes amigos exigem-se estes pequenos sacrifícios. De resto, sacrifício é uma palavra feita para a tristeza dos que não são crentes, como eu. Tu acreditavas tanto."
Inês Pedrosa in Fazes-me Falta

domingo, 19 de outubro de 2008

Hand on your heart

Hand On Your Heart - Jose Gonzalez

Acceptance

"When the spent sun throws up its rays on cloud
And goes down burning into the gulf below,
No voice in nature is heard to cry aloud
At what has happened. Birds, at least must know
It is the change to darkness in the sky.
Murmuring something quiet in her breast,
One bird begins to close a faded eye;
Or overtaken too far from his nest,
Hurrying low above the grove, some waif
Swoops just in time to his remembered tree.
At most he thinks or twitters softly, 'Safe!
Now let the night be dark for all of me.
Let the night bee too dark for me to see
Into the future. Let what will be, be."

Robert Lee Frost in Abrupto

O coração

Quando se gosta é difícil esperar. Quando se gosta, gosta-se e pronto. Gosta-se com esse "ir sempre à frente do coração", que o corpo depois deve acompanhar. Ou tantas vezes não pode, não deve, mas vai. E, de facto, o que somos nós sem ele? Nunca vos saiu do peito desabrido o coração?
Basta soar um "fazes-me falta"; um "preciso de ti" ou simplesmente, basta-nos ouvi-lo no silêncio ou num olhar que o diz melhor. E lá vai, sem pedir, sem avisar o coração que chega sempre primeiro. E chega porque, de repente, é todo daquilo ou daquela pessoa que chama por ele.
Não posso viver sem coração. E, sinceramente não lhe ensinei a partir, assim. Apenas gosto de acreditar, sei lá, que só se pode ser dessa forma e pronto. E, com efeito, que outra maneira de gostar que não essa - a do só fazer sentido estar onde nos sentem a falta; a de darmos aquilo de que precisam?
No fundo, fazer isto é ser egoísta. Porque é dar a mim mesmo a maior, a mais límpida e clara das felicidades.
É sentir vontade de ser o primeiro e o mais quente dos incêndios; é desejar ser a mais abundante e fecunda das chuvas; o mais forte e tenaz dos ventos. É arder como a mais luminosa das piras e o mais brilhante dos faróis. É fecundar de novo a terra calejada dos trilhos anteriores. É trazer com o vento os ecos distantes do que te pareçam sítios e lugares mais amenos para viver.
E perguntarem-me se gosto disto, seria como perguntarem ao céu para quem acende, todas as noites, o maralhal de luz e de esperança no tecto do Mundo.
Por isso, sigo o meu coração. Não lhe pergunto porque o faz. Muitas vezes, até, nem o entendo. Mas ficar sem ele ou pedir-lhe que volte, são coisas que não funcionam. Ele teima em permanecer onde o chamam. E continua a falar talvez com esperança de que, do outro lado, haja alguém que precise da sua voz.
Depois de muito pensar percebi que mais do que meu, o coração que de mim tantas vezes se desaloja, é dos outros. Desses em cujos peitos ele também faz a sua casa. Desses cujos passos ele segue.
Não é fácil viver com um coração assim. Porque não bate ele só por mim?
O meu coração explica-me que pulsa por aqueles de quem lhe ensinei a memória. A quem dele dei um pedaço. Um pedaço que ele segue sempre; encontra sempre.
E de cada uma dessas vezes, em cada um desses reencontros bate sempre com mais força. Como da primeira. E eu gosto dele assim.

domingo, 12 de outubro de 2008

Se tivesse de recomeçar a vida

"Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões. Não me arrependo, nunca me arrependi. Perdia outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído. Não me habituo: não posso ver uma àrvore sem espanto, e acabo desconhecendo a vida e titubeando como cemecei a vida. Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra. Não sei - nem me importo - se creio na imortalidade da alma, mas do fundo do meu ser agradeço a Deus ter-me deixado assistir um momento a este espectáculo desabalado da vida. Isso me basta. Isso me enche: levo-o para a cova, para remoer durante séculos e séculos, até ao juízo final. Nunca fui homem de acção e ainda bem para mim: tive mais horas perdidas..."
in Se tivesse de recomeçar a vida - Prefácio - Raul Brandão

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Vieste ver-me

Vieste ver-me hoje. E foi bom reencontrar no teu olhar a preocupação e o carinho de sempre. Sempre estiveram lá, no meio da escuridão. Agora que estiveste comigo, foi como se se acendesse uma luz.

Shine


"Rach nº3. It's the hardest play in the world, David"
"You have to play like there's no tomorrow."
Pode uma vida ser tocada a quatro mãos? Pode alguém acreditar que pode ainda tocar a sua vida, através de outra? Esta é a história de uma vida em que o palco não foi de um só. E é como o professor dizia: "Decora as notas. Depois, esquece-as." Mas havia uma nota que não se podia esquecer. E nunca se esqueceu.

Há vidas em que a harmonia se quebra. E, às vezes, volta. Porque "a música nunca deixa de ser nossa amiga." E quando volta mostra que a vida de alguns vivida apenas em partes, vale mais do que toda uma vida vivida por outros.

Bravo!

rachmaninov

Saudade

Hoje bateu uma saudade tua, sem som. Mas que eu já conheço pelo andar. Dentro de mim.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Contradiction in terms

Black Or White - Michael Jackson

PS: Talvez esta mensagem fosse uma que aqui o Michael só soubesse de cor... ups de cor.

Humility


Humility - Wim Mertens

Often a bird


Often a Bird - Wim Mertens

Another lonely day

Another Lonely Day (Acoustic) - Ben Harper & Pearl Jam

The Kiss on the Sidewalk

Noite V


Noite V - Bernardo Sassetti
"Deus é o silêncio do universo e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio."

in Cadernos de Lanzarote. José Saramago
"De que são feitos os sonhos?"- perguntou.
"Daquilo que só acorda em ti quando estás a dormir."
Deixei de te esperar. Será que só agora poderemos recomeçar? Espero que sim.

Grey's Anatomy

"I've heard that it's possible to grow up - I've just never met anyone who's actually done it. Without parents to defy, we break the rules we make for ourselves. We throw tantrums when things don't go our way, we whisper secrets with our best friends in the dark, we look for comfort where we can find it, and we hope - against all logic, against all experience. Like children, we never give up hope..."

Voltando à vaca-fria

"Aprendemos das lições da vida que de pouco nos poderá servir uma democracia política, por mais equilibrada que pareça apresentar-se nas suas estruturas internas e no seu funcionamento institucional, se não tiver sido constituída como raiz de uma efectiva e concreta democracia económica e de uma não menos concreta e efectiva democracia cultural. Dizê-lo nos dias de hoje há-de parecer um exausto lugar-comum de certas inquietações ideológicas do passado, mas seria fechar os olhos à simples verdade histórica não reconhecer que aquela trindade democrática – política, económica, cultural -, cada uma delas complementar e potenciadora das outras, representou, no tempo da sua prosperidade como ideia de futuro, uma das mais apaixonantes bandeiras cívicas que alguma vez, na história recente, foram capazes de despertar consciências, mobilizar vontades, comover corações. Hoje, desprezadas e atiradas para o lixo das fórmulas que o uso cansou e desnaturou, a ideia de democracia económica deu lugar a um mercado obscenamente triunfante, finalmente a braços com uma gravíssima crise na sua vertente financeira, ao passo que a ideia de democracia cultural acabou por ser substituída por uma alienante massificação industrial das culturas. Não progredimos, retrocedemos. E cada vez se irá tornando mais absurdo falar de democracia se teimarmos no equívoco de a identificar unicamente com as suas expressões quantitativas e mecânicas que se chamam partidos, parlamentos e governos, sem atender ao seu conteúdo real e à utilização distorcida e abusiva que na maioria dos casos se vem fazendo do voto que os justificou e colocou no lugar que ocupam. (...)"
in O Caderno de Saramago

Into the wild


"Love only real when shared"

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Há o Sol, lá em cima, todos os dias. E, a cada manhã podemos começar de novo. Amanhecer com o mundo. Mas, ontem, não me deitei com ele.
Às vezes sentado aqui mesmo, recordo todos aqueles que me são alguma coisa. Não falo daqueles com quem a vida me cruzou, mas daqueles a quem a minha pele reconhece as palavras e o silêncio, e logo se arrepia. Não preciso de olhar para nada. De olhos fechados, vejo bem melhor - vejo o que a memória me conta. E passo e repasso estas metragens vezes sem conta, como aos filmes da infância que ainda guardo, todos e intactos.
Ter vivido é isso mesmo. E porque não consigo segurar ou parar o tempo, estou onde ele me diz para estar mas evoco outros dias por onde ele passou. E assim, embora o tempo continue a caminhar, há de estar algum tempo a correr sozinho.
Recordo as preocupações, o medo de perder; recordo a vida com o cheiro morno de um fim de tarde de Verão, onde haja mar. Ou o cheiro dele. Recordo os outros. Não, não essa massa indistinta. O outros, esse "todos" ou o "tudo" que são para mim. Lembro-os muitas vezes. E é como se os visitasse ou os recebesse na morada que o tempo escolheu para nós. E que eu, casmurro, teimo em não abandonar.
Estou com eles, muitas vezes. Faço as mesmas coisas, vezes sem conta. Ouço as mesmas palavras, de novo. E são como ditas pela primeira vez. Não um eco, longínquo e rouco.
Faço-o pelo que de mim nasceu ali. Pelo que de mim ficou ali. Por aquela memória escondida do outro lado de cada um dos lugares, agora vazios.
Nasci no tempo da memória a cores. Não sei se felizmente, ou não. De olhos bem fechados, o turbilhão de imagens segue e, de cada vez que o revisito, reparo sempre num pormenor diferente. Um brilho nos olhos, uma concha arrastada pelo mar; o som de uma palavra, cujo sentido desvendamos agora ao ouvir, de novo, a voz de alguém.
A vida sabe melhor, com o tempo. O Mundo pode continuar a correr lá fora. E continua.
Mas a verdade é que o que fui, embora, por vezes, já longe de mim, continua aqui do lado de dentro de mim e do tempo. E apesar de, às vezes, desejar trocar "dentro" pelo "fora", fecho os olhos e o longe subitamente se faz perto. Mais perto que nunca.
Volta depressa.
"He went up to her and took her by the shoulders to say something affectionate and cheering, and at that moment he saw himself in the looking-glass.His hair was already beginning to turn grey. And it seemed strange to him that he had grown so much older, so much plainer during the last few years. The shoulders on which his hands rested were warm and quivering. He felt compassion for this life, still so warm and lovely, but probably already not far from beginning to fade and wither like his own. Why did she love him so much? He always seemed to women different from what he was, and they loved in him not himself, but the man created by their imagination, whom they had been eagerly seeking all their lives; and afterwards, when they noticed their mistake, they loved him all the same. And not one of them had been happy with him. Time passed, he had made their acquaintance, got on with them, parted, but he had never once loved; it was anything you like, but not love.And only now when his head was grey he had fallen properly, really in love -- for the first time in his life. Anna Sergeyevna and he loved each other like people very close and akin, like husband and wife, like tender friends; it seemed to them that fate itself had meant them for one another, and they could not understand why he had a wife and she a husband; and it was as though they were a pair of birds of passage, caught and forced to live in different cages. They forgave each other for what they were ashamed of in their past, they forgave everything in the present, and felt that this love of theirs had changed them both.In moments of depression in the past he had comforted himself with any arguments that came into his mind, but now he no longer cared for arguments; he felt profound compassion, he wanted to be sincere and tender. "
(Anton Chekov, Lady With Lapdog) in Abrupto

Sobre Fernando Pessoa

"Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos."

in O caderno de Saramago
"Quando numa habitação imersa em total obscuridade acendemos uma luz, a escuridão desaparece. Então não é raro perguntar-nos: “Para onde foi ela?” E a resposta só pode ser uma: “Não foi para nenhum lugar, a escuridão é simplesmente o outro lado da luz, a sua face secreta”. Foi pena que não mo tivessem dito antes, quando eu era criança. Hoje saberia tudo sobre a escuridão e a luz, sobre a luz e a escuridão."
in O caderno de Saramago
Amar não tem contexto. Quem ama, não vê o fundo. E o objecto desse amor não tem lugar. O amor não vive em prisões e, se queremos que se dilate e cresça, não lhe podemos dizer até onde. O amor que é amor não pode partir derrotado. Não nos corre o sangue nas veias, independentemente do lugar?; Não nos entra o ar nos pulmões, seja qual for o local? Amar é isso mesmo - respirar a presença dessa pessoa sempre, sem a confinar a um espaço. Só quando alguém não tiver lugar, terá lugar na tua vida. Porque exactamente a levaste até aí. Amor é liberdade. Se for real, permanecerá; se não, nunca existiu.
Lembra-te sempre de que quem é livre, sempre se acaba prendendo. A solidão é uma prisão. E todos dela queremos escapar.

sábado, 4 de outubro de 2008

Antes gostava de sonhar porque era esse o lugar da tua existência. Agora que te tenho, se sei que é sonho temo ter-te perdido.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Obrigado por me seres de formas que eu não consigo.
Eu desejo isto. Tu desejas isto também, mas ao contrário. Ambos desejamos o mesmo?
Vem ver comigo o nascer do sol. E não deixes que anoiteça, de novo.
Prometo-te a minha vida. Sem ti, não seria viver.
Que bom ouvir-me, em silêncio.
Com o que me deste se um dia que ainda não sei, te achares longe - longe dos olhos e deste caminho, sonhar-te-ei num futuro onde caberão os meus sonhos e os teus. Mesmo que não os sonhemos em conjunto. Porque dos sonhos bons, não queremos nunca acordar.

Um dia

Um dia, quem sabe, hei-de encontrar-te. Talvez no avesso da forma como sempre te procurei.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A criança que fui, às vezes, ainda sou eu. É verdade. Achamos nós que crescer é deixar para trás o olhar viçoso; o génio variável a exigir uma atenção desmedida; a capacidade ingénua e quase instantânea de ir, de fazer, de dizer, sem mais. É essa criança que, do nada, ainda me visita. Que teima em saber onde moro. E sempre as horas em que, sem saber, mais preciso dela.
Há noites em que a memória de mim se espraia, como um filme a preto e branco. E, a princípio, não custava ver-me ali actuar. Talvez porque (achava eu) não fossem meus aqueles passos, aquelas gargalhadas soltas e as lágrimas com a intensidade funda de um grito. Mas, fui-me sabendo eu, em cada um dos trechos.
Como mudei... Como cresceram as pernas e os passinhos de outrora são, hoje, como passos dados com os mindinhos. Por vezes, apetecem-me os passos vagarosos. Quem disse que o caminho teria de ser rápido?
Anseio aquele olhar com uma sede e uma fome sem limites. Lembro-me dos abraços onde me recolhi e me recolheram. E comove-me aquele sorriso aberto para quem, do outro lado, tirava a fotografia.
E os olhos que brilhavam de um contentamento, cheio e feliz.
Crescidos nunca foram bons a jogar às escondidas. E, mesmo por detrás das horas que pareceram acompanhar o crescimento e, hoje, correm também, esse miúdo de olhos brilhantes, de gargalhada e conversa faceis, descobre-me sempre.
Mesmo que as mãos tenham crescido e as pernas também, por entre a aparente espessura dos dias e do tempo que nos separa, o miúdo das fotografias volta sempre. E eis que o olhar brilha de novo e um sorriso se desenha para vincar a felicidade na pele do rosto.
E, por entre a cautela e o cuidado, que são vícios dos adultos, o puto ainda sou eu de cada vez que em mim há um desejo súbito de ir, de dar, de correr. Como se o primeiro passo tivesse sido ontem, como se nunca houvesse chegada e tão somente o simples querer, o sentir, sem mais.
Somos o mesmo cada vez que ainda rasgo os joelhos e dói da mesma forma; de cada vez que me seduz uma promessa de aventura e de surpresa; de cada vez que preciso de um regaço. Não o perdi, nunca. Ou ele nunca me perdeu a mim.
Chuto uma bola. E ouço-o rir-se, bem cá dentro.
"Deve ser de felicidade", penso eu.

Traz outro amigo também

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

José Afonso
Que bom ter gente tão diferente de mim, para admirar. Gente a quem sei de cor o olhar e as linhas por onde se desenham as emoções. Gente que tem o nome delas no meu e, sobretudo, naquilo que sou. E é gente tão grande que não sei se o que sinto e sou chega para as guardar todas em mim.
Gente que se tornou tão grande, tão maior do que o possível, o imaginado, o querido, que cresci e dei passos maiores para estar lá. E venci o medo de cair. Talvez não seja nunca tão grande. Sim, ser grande nas pequenas coisas. São sempre as coisas mais pequenas que mais se guardam. Porque há um medo maior do que elas de as perder.
Sei só que é maior do que eu o respeito, o orgulho e o meu amor por eles. E, com tudo o que me falta para crescer, às vezes, o "quando for grande, quero ser como tu", readquire inesperadamente, o sabor de um desejo bem doce.
Falo-te, hoje, da saudade. Falo-te, sim, desse sentir faltar-nos um pedaço. Falo-te da evocação das estórias. Da saudade de ouvir a tua voz a animar a lembrança silenciosa que tenho de ti.
Falo-te de querer alimentar essa lembrança. E ver-te sorrir tantas outras vezes, como da primeira. Hoje alimento-te do que sou. E és mais minha do que tua, nesse manter-te viva.
Saudade da tua voz a rasgar o ar quieto. Do teu toque. De termos criado horas mais longas e noites mais profundas onde cabíamos os dois. Ali, a apreciar o sol e a chuva. E, com o luar, coalhado pelo vidro, a escorrer no soalho.
Saudades de ti a adormeceres o meu corpo, como bem sabias. A ensinar-lhe a calma, a quietude e o deleite.
Hoje, no mesmo sítio, descobri nas noites um fundo maior. E já não sei inventar-me a mim, apesar da mesma Lua, através do mesmo vidro. Já não há os teus passos no mesmo soalho. Por vezes, imagino que te peguei ao colo.
E quando fecho os olhos, sinto na casa ainda o teu eco. Talvez seja a minha saudade a procurar por onde fugir. Mas a janela está aberta, e ela não foge.
Hoje a lua brilha no céu. Como me verá ela sem ti? Eu, sempre em lua-nova, agora.
As horas passam. O corpo, a quem falta a tua calma, acaba por pesar. E a lua que, ao contrário de mim, sempre se enche, lança com o luar a tua imagem na sala. E tudo parece um pouco menos fundo, de repente.