Rewind

sábado, 25 de abril de 2009

"Mankind Is No Island" by Jason van Genderen

Metáforas

Gostava de dominar a arte de pôr umas coisas assim nas outras de modo a que, dessa combinação, elas saissem mais nítidas, mais definidas, mais sentidas. Gostava de ter na língua e na voz o que te ouço e te leio - esse falar do nome das coisas pelo nome e o corpo de outras.

Falar do amor e trazer fogo e calma; um céu imenso e a fúria de bátegas incessantes de loucura. Falares de mim e pores na minha voz a suavidade de uma pele com cheiro doce. Falares de ti própria e aparecer no meu corpo a leveza de uma nudez que não é a minha. Cabe nas tuas palavras a riqueza que resulta do contraste - como se desmaiasses a luz no ponto exacto em a sombra a não engole. Contigo ponho os olhos e o nome nas coisas de que queres falar e que veja no corpo de coisas a elas tão contrárias. Falas-me da noite e antes disso passo pela luz.


Falas-me de solidão e há corpos nas palavras que fazes viver mais, assim juntas no som do ar que respiras, perto do meu ouvido.

Cabe todo um mundo que não existe pelo nome que as coisas têm, no nome que tu lhes dás. O sabor das coisas resulta do sabor dos sítios por elas passam. Falas da vida e, antes, passas pelos desertos vazios de sonhos; falas-me de entrega e antes gelas-me com a visão dessa solidão triste e imunda.


Todas as coisas contém o seu contrário. Ou todas as coisas existem, em parte, no corpo das restantes. E, então, como não falar do amor e pescar todas as partes que dele existem perdidas nos corpos de coisas que não são isso?


Falas do ar ou da erva e aparecem tijolos e igrejas e emprestas à imagem das coisas que sempre existiram uma consistência maior pelo caminho por onde as fazes passar.


O que as coisas são é o que podem ser umas às outras. No caminho que fazem as tuas palavras cabe o corpo mais definido, depois de lhe conhecerem os segredos perdidos, as mãos de quem o tocou.

Moi qui aime tellement ton sourire


Porque o maior erro de todos é não saber o que o amor realmente significa.

Foz
























































Filme mudo

Às vezes, ouvia as palavras que já não lhe diria. Ou as coisas que não mais lhe ouviriam. Via como ainda podiam ser doces as palavras acima do corpo que já não havia. Como ainda se demorava o contorno fácil de um gesto que já não nasceria. Então percebia como podiam demorar-se em nós os votos e os passos outrora seguros do caminho. Guardava tantas vezes esse "ainda-amor", esse filme mudo que era o único a ver e que nascia para não ser.
Rasgava-lhe o orgulho esse arranhar da saudade. E, de súbito, enchia-lhe o peito essa imagem inteira que o desejo trouxera para que dormisse no leito do pó onde moramos nós com o que foi nosso.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O lugar onde mora a esperança

Quis correr para os braços quietos dela nas horas fundas do poente, quando a noite vem vestir de espaço a face do Mundo. Quis pousar no silêncio do olhar dela as coisas a que sabia o nome mas que não queria chamar. Quis ficar estendido no colo quieto e transparente como é sempre o da verdade. E não ter medo de que o silêncio fosse esse grito que ele não queria deixar correr mais dentro das veias.
No silêncio, as coisas ficam sempre mais - ocupamos o Mundo com o ruído das palavras para não cairmos no corredor silencioso da verdade.
E a ele sabiam-lhe a verdade aqueles braços finos onde morava o que não cabia no Mundo.
"Ali morava a esperança." - pensou ele muitas vezes.
E talvez morasse mesmo porque era naquelas horas sem nome e naquele dar sem voz que ele sempre encontrava motivo para acreditar. E o acreditar era essa voz que vinha no silêncio falar mais alto ao coração. E ele sabia-o.

Na luz da manhã

Um dia alguém lhe disse que o pôr-do-sol fazia recordar-se dele. Ele achou graça e guardou para si aquelas palavras. Com o tempo e a distância houve coisas que não vieram mais com o raiar da manhã; coisas que a pele dos dias não mais guardou como o rosto fiel do sonho.
Os dias corriam e o tempo fazia-o passar cada vez menos pelos lugares que haviam sido outrora o chão do amanhã. Às vezes, doía-lhe a distância ou ficava por algum tempo perdido a lembrar onde tinha deixado esmorecer a força daquelas promessas. Mas, quando no véu do esquecimento ficava imerso o curso interrompido dessas imensas estórias, era o Mundo que trazia ancorado no seu acontecer pacífico a memória do que ele fora. No pôr-do-sol de um dia que nascia sem que a vida lhes acontecesse em conjunto, morava esse tempo distante.
E ele ficava a olhar o fogo que a água engolia e pensava que, por muito que a vida naufragasse desejos e os tivesse roubado do tempo que veio, nunca era tarde para que, do lugar onde deixamos a viver as nossas recordações sem nós, saisse a realidade de um novo dia que nasce.

O sonho

Via-se feliz em dias que o tempo engolira. Não sabia o que o prendera no eco que chegava na valsa da memória. Reparava no seu rosto e notava um riso livre de uma brancura inteira e adivinhava nos olhos um fundo brilhante de deslumbramento.
Havia no peito esse êxtase que queima o tamanho inteiro do silêncio. Chamava de novo à pele essa acalmia de não querer procurar mais; ansiava esse contentamento feliz de poder findar a busca ou de lhe ter acabado a busca nisso que a vida deixou para ser seu.
Recordava os tempos em que as paredes lhe viam o olhar aceso de paz e o corpo calmo a repousar nos braços seguros do que ainda não veio. Trazia no corpo a promessa do sonho e também ele, às vezes, gostava dos amores fáceis com um rosto e um nome. Também ele gostava de imaginar o sonho como uma morada onde a realidade vinha pôr os corpos e a vida para os envelhecer juntos.
Mas perguntava-se se se pararia de sonhar alguma vez ou, se tendo o sonho um corpo onde morar, lhe podemos pedir que conserve ou que se mantenha como o corpo exclusivo da nossa voz. É que dar ao sonho um corpo para morar, significa reconhecer que o verdadeiro existir das coisas e a verdade sobre nós não se faz na rocha solitária da vontade.
Fazer passar o sonho pelo corpo de alguém ou ouvi-lo da voz de alguém, significa reconhecer que a promessa de beijar os lábios cumpridos do nosso pedido, é experimentar viver no sonho mas sem ele. Sonho misturado no sangue é a voz da promessa que vamos clamando ao Mundo para nós; sonho misturado na saliva e no pó do caminho é o vir morar connosco no lugar da nossa vontade, o humilde desejo que o outro seja o chão onde se espelha o nosso céu.

Das pequenas memórias

Pensou na sobrevivência do nosso amor pelas coisas acima da impossibilidade delas connosco. Tinha saudades imensas vezes. Ela aparecia numa brecha do corpo aparentemente inteiro dos dias. E trazia de volta pequenos pormenores que a proximidade não deixava que se notassem.
Com a distância, como um gigante entre corpos, as pequenas memórias eram a sua forma de saber o que fora realmente seu no caminho. Não se demorava muito nelas - não queria que elas doessem. Pensava nelas como pedaços de verdade a que não se agarrava. Porque à verdade, se lhe juntamos orgulho, acabamos de mãos vazias.
Tinha desistido de saber se o que sentira existira no Mundo como nele. Não se importava de ter no peito uma dessas promessas silenciosas para contar a um corpo que já não vem. Não se importava que fosse nas costas do Mundo que as coisas existiam mais para si.
Sentava o corpo num banco e ficava boiando no silêncio leve e luminoso do ar da Primavera. E recordava-se dos pormenores minúsculos de que era feita a nossa grandeza. O amor não é um lugar grande. É feito dessas pequenas coisas que nos fazem todos de alguém. É feito desse céu de barro que somos nós.
Não deixaria de guardar em si aquilo que fora seu tão longe do Mundo. Talvez voltasse aos sítios onde fora feliz. Apesar das ausências, ainda havia o caminho. E ele continuava nele porque a felicidade também vive no amor solitário pelas coisas, depois do fim.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Quoting

"Nascemos absolutamente necessitados de amor, mas quase nada capazes de amar."

Prof. Doutor Pedro-Juan Viladrich