Rewind

sábado, 25 de abril de 2009

Metáforas

Gostava de dominar a arte de pôr umas coisas assim nas outras de modo a que, dessa combinação, elas saissem mais nítidas, mais definidas, mais sentidas. Gostava de ter na língua e na voz o que te ouço e te leio - esse falar do nome das coisas pelo nome e o corpo de outras.

Falar do amor e trazer fogo e calma; um céu imenso e a fúria de bátegas incessantes de loucura. Falares de mim e pores na minha voz a suavidade de uma pele com cheiro doce. Falares de ti própria e aparecer no meu corpo a leveza de uma nudez que não é a minha. Cabe nas tuas palavras a riqueza que resulta do contraste - como se desmaiasses a luz no ponto exacto em a sombra a não engole. Contigo ponho os olhos e o nome nas coisas de que queres falar e que veja no corpo de coisas a elas tão contrárias. Falas-me da noite e antes disso passo pela luz.


Falas-me de solidão e há corpos nas palavras que fazes viver mais, assim juntas no som do ar que respiras, perto do meu ouvido.

Cabe todo um mundo que não existe pelo nome que as coisas têm, no nome que tu lhes dás. O sabor das coisas resulta do sabor dos sítios por elas passam. Falas da vida e, antes, passas pelos desertos vazios de sonhos; falas-me de entrega e antes gelas-me com a visão dessa solidão triste e imunda.


Todas as coisas contém o seu contrário. Ou todas as coisas existem, em parte, no corpo das restantes. E, então, como não falar do amor e pescar todas as partes que dele existem perdidas nos corpos de coisas que não são isso?


Falas do ar ou da erva e aparecem tijolos e igrejas e emprestas à imagem das coisas que sempre existiram uma consistência maior pelo caminho por onde as fazes passar.


O que as coisas são é o que podem ser umas às outras. No caminho que fazem as tuas palavras cabe o corpo mais definido, depois de lhe conhecerem os segredos perdidos, as mãos de quem o tocou.

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