Rewind

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O sonho

Via-se feliz em dias que o tempo engolira. Não sabia o que o prendera no eco que chegava na valsa da memória. Reparava no seu rosto e notava um riso livre de uma brancura inteira e adivinhava nos olhos um fundo brilhante de deslumbramento.
Havia no peito esse êxtase que queima o tamanho inteiro do silêncio. Chamava de novo à pele essa acalmia de não querer procurar mais; ansiava esse contentamento feliz de poder findar a busca ou de lhe ter acabado a busca nisso que a vida deixou para ser seu.
Recordava os tempos em que as paredes lhe viam o olhar aceso de paz e o corpo calmo a repousar nos braços seguros do que ainda não veio. Trazia no corpo a promessa do sonho e também ele, às vezes, gostava dos amores fáceis com um rosto e um nome. Também ele gostava de imaginar o sonho como uma morada onde a realidade vinha pôr os corpos e a vida para os envelhecer juntos.
Mas perguntava-se se se pararia de sonhar alguma vez ou, se tendo o sonho um corpo onde morar, lhe podemos pedir que conserve ou que se mantenha como o corpo exclusivo da nossa voz. É que dar ao sonho um corpo para morar, significa reconhecer que o verdadeiro existir das coisas e a verdade sobre nós não se faz na rocha solitária da vontade.
Fazer passar o sonho pelo corpo de alguém ou ouvi-lo da voz de alguém, significa reconhecer que a promessa de beijar os lábios cumpridos do nosso pedido, é experimentar viver no sonho mas sem ele. Sonho misturado no sangue é a voz da promessa que vamos clamando ao Mundo para nós; sonho misturado na saliva e no pó do caminho é o vir morar connosco no lugar da nossa vontade, o humilde desejo que o outro seja o chão onde se espelha o nosso céu.

1 comentário:

Joana Banana disse...

se o sonho for alguém, não só temos que sonhar de olhos verdadeiramente abertos, como nos olhos de alguém, aos olhos de alguém*