Há noites que desejava se prolongassem indefinidamente. Noites que, como grandes goles sôfregos, nos engolissem por inteiro. Há na noite essa espécie de consolo - como se finalmente se pudesse respirar fundo. E, então sim, deixar que o compasso do sangue ganhe finalmente voz, enquanto as bátegas da vida cessaram.
A noite é sempre só nossa. Ou para quem nos pode ou consegue ver de perto. Como se num fundo negro apenas se visse o nosso rosto - esse que só alguns conhecem verdadeiramente.
A cidade ilumina o seu corpo - pequenos pontos de luz e as vagas amplas e serenas do silêncio.
E isso como uma espécie de trégua. Há dias a que não pertencemos. E quando, enfim, chega a noite sabemos o que tanto nos sobra ou não nos chega.
Poucos ficam connosco à noite - esses com quem partilhamos a espessura e o volume do, tantas vezes, indizível. Esses com quem partilhamos a segurança de se poder ouvir o silêncio.
E surgia, então, esse desejo de que algumas noites pudessem engolir os dias. De que ainda não fosse tempo de retomar os gestos que o mundo diz pertencerem-nos.
A noite é, então, o tempo das ausências ou dos excessos. E poucos nos conhecem nessas horas - quando ao espírito falta ensejo ou quando lhe sobra o tempero.
A esses aprendemos a associar as noites da nossa vida - os que partilham connosco as falhas que mais ninguém vê, ou os desejos que mais ninguém acende.
A noite talvez nos diga a verdade. Se passarmos os dias a fugirmos de nós mesmos, talvez a noite nos diga o que fizemos da vida. Ou o que a vida fez de nós.
Gostava quando as noites se prolongavam indefinidamente. Porque havia horas em que lhe sobrava o desejo e, outras, em que lhe faltava a medida exacta das coisas. E quando sempre chegava alguém - esses rostos familiares, ele percebia que há na vida coisas que se tornam bocados de nós mesmos - que nos faltam ou nos completam, consoante as noites da nossa vida.
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