Rewind

domingo, 11 de outubro de 2009

Noite

Há noites que desejava se prolongassem indefinidamente. Noites que, como grandes goles sôfregos, nos engolissem por inteiro. Há na noite essa espécie de consolo - como se finalmente se pudesse respirar fundo. E, então sim, deixar que o compasso do sangue ganhe finalmente voz, enquanto as bátegas da vida cessaram.
A noite é sempre só nossa. Ou para quem nos pode ou consegue ver de perto. Como se num fundo negro apenas se visse o nosso rosto - esse que só alguns conhecem verdadeiramente.
A cidade ilumina o seu corpo - pequenos pontos de luz e as vagas amplas e serenas do silêncio.
E isso como uma espécie de trégua. Há dias a que não pertencemos. E quando, enfim, chega a noite sabemos o que tanto nos sobra ou não nos chega.
Poucos ficam connosco à noite - esses com quem partilhamos a espessura e o volume do, tantas vezes, indizível. Esses com quem partilhamos a segurança de se poder ouvir o silêncio.
E surgia, então, esse desejo de que algumas noites pudessem engolir os dias. De que ainda não fosse tempo de retomar os gestos que o mundo diz pertencerem-nos.
A noite é, então, o tempo das ausências ou dos excessos. E poucos nos conhecem nessas horas - quando ao espírito falta ensejo ou quando lhe sobra o tempero.
A esses aprendemos a associar as noites da nossa vida - os que partilham connosco as falhas que mais ninguém vê, ou os desejos que mais ninguém acende.
A noite talvez nos diga a verdade. Se passarmos os dias a fugirmos de nós mesmos, talvez a noite nos diga o que fizemos da vida. Ou o que a vida fez de nós.
Gostava quando as noites se prolongavam indefinidamente. Porque havia horas em que lhe sobrava o desejo e, outras, em que lhe faltava a medida exacta das coisas. E quando sempre chegava alguém - esses rostos familiares, ele percebia que há na vida coisas que se tornam bocados de nós mesmos - que nos faltam ou nos completam, consoante as noites da nossa vida.

Sem comentários: