mesmo na sala ao lado
ir espreitar-te enquanto lês
lá fora, um sol que desenha no fundo das paredes,
não ter que te dizer nada
e ficar apenas a ver-te como o pó que, em silêncio, se abraça aos móveis
ter-te, mãe,
só isso.
não encontrar palavras que encham esse mar por mais que, aqui dentro, tudo o que chova seja felicidade
sabes, mãe, o amor dos filhos é complicado
ensinam-nos a falar, mas não nos avisam que há coisas que nunca saberemos dizer
que queremos pronunciar,
que queremos inventar com toda a força do sangue e do sonho
mas que não conseguem nunca ser o sal inteiro para o mar que as mães são no peito dos filhos.
digo-te,
mamã, quero inventar a melhor palavra do mundo,
a maior, a mais luminosa, a mais doce, a mais-minha-de todas, ok?
[só para dizer que te amo muito
e mais a cada dia]
mas as palavras não bastam - mãe, o amor tem tantas ondas e marés que as letras não chegam e a gramática é difícil.
então, desastrado, cheio de medo,
olho-te infinitas vezes,
decoro-te como a um texto lido e relido
e sublinho-te sempre as partes mais belas -
o coração grande, o sorriso, as mãos atadas nas minhas
a vida toda -
em todas as passadeiras do meu caminho,
em todas as chegadas,
em todos os erros,
em toda a infinita estupidez com que, querendo amar-te, te magoei
e sorrio.
depois, lembro-me de que sempre me ensinaste que nas ondas havia sempre a esperança de um regresso e, por isso, amavas o mar.
ter-te mãe,
e só isso.
sabes, o mar que me cravaste no peito nunca o encherei com as palavras todas que mereces.
[desculpa, elas não existem]
mas, prometo-te uma coisa:
olhar-te-ei sempre como se fita o horizonte.
e, ao lembrar-me de ti,
vou saber que, numa onda ainda por chegar,
tu virás sempre -
só para me dares a mão
e, no fim de tudo,
contra tudo,
apesar de tudo,
chegarmos os dois juntos ao outro lado.
RM|XXIV-I-MMXVII
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