Eu, pela minha parte, volto sempre aos meus - foram eles que, por mim, garantiram que a roupa do meu corpo não se sujava demais com os enganos do mundo, são eles quem melhor me conhece - foram eles que, no fim de tudo, me fizeram assim.
E fazer anos não é, hoje, esperar mais mesas enormes - as toalhas de linho bordadas, que saiam os faqueiros polidos das gavetas, que se enfeitem de luz as paredes das salas grandes, que haja necessariamente ruído e açúcar na felicidade de uma celebração.
Não. - aos 31 anos, deseja-se, sobretudo, o podermos continuar a celebrar a verdade e a facilidade com que ela acontece mais nítida, maior e mais funda, quando estamos juntos.
Em silêncio, apenas agradeço - os meus presentes são eles e a verdade, por eu os ter comigo ainda sem saber muito bem como os mereci, é uma revelação que a vida me permite descobrir na sorte e no milagre dos nossos encontros.
Toca o telefone,
É a Gó
[e o meu coração acelera contente],
Olá Gózinha!,
Ainda conhece a minha voz, menino?,
Oh rapariga, podem passar cem anos e nunca me hei de esquecer da tua voz,
Foi trabalhar hoje, menino?
Vim, sim, Gó.
Sabe, menino, que saudades tenho eu de trabalhar aí em casa e que afortunada fui nessa parte da minha vida!,
Sorte tivemos nós, malandra, e é sinal de que, afinal, não te batemos muito e até nem te tratámos muito mal!, digo eu,
Tu ris-te,
Menino, só para lhe dizer que gosto muito, muito de si, que nunca me esqueço dos meninos e que sei que vai correr tudo bem, ouviu? Não desistam de mais esta batalha, tenham força e fé!,
Do outro lado do telefone, a tua voz treme, falas novamente de saudades e eu recebo de ti o melhor dos presentes - o teu,
Vai correr tudo bem, menino!, - como num altar de luz, o meu coração sente os teus braços que o seguram, o acalmam, lhe ensinam a não esquecer a estrada da esperança.
E uma Milinha de 94 anos - a minha Milinha dos olhos azul-luz,
Então, meu amor, hoje não tiveste folga?,
Não, Vovó, a folga, neste dia da criança, é para as meninas novas dos 94 para cima, como tu!,
Tu ris-te e eu atiro,
Além disso, Milinha, por aqui ninguém tem uma Avó como tu; eles não iam entender, percebes?,
Acabo a conversa a dizer,
Uma Avó que está sempre no coração dos netos nunca está longe, ouviste menina? Amo-te muito!,
E tu,
É verdade, meu amor, mas vem ver-me logo que possas!,
Eu, no ecrã do meu peito, ponho a dar no coração-cassete (não nasci no tempo dos dvd), em modo contínuo, todas as recordações e os momentos que vivi e em que fui imensamente feliz.
Depois, o Né - infinitamente melhor do que eu, meu cúmplice nesse crime de amar sem condições, sem limite, de ficar sempre, de me ajudar, de me abrir os olhos, de ser sempre o que me falta para o caminho.
E, finalmente, os Pais - enquanto jantamos, olho-os como em pequeno,
Nada pode roubar-nos os nossos Pais, nada pode acontecer-lhes porque toda a gente sabe que não há uma idade em que os filhos saibam viver sem eles.
Eu, pelo menos, não sei. E, certamente, não foi ainda aos 31 anos que descobri como.
Sempre escrevi convencido de que alguém me ouvia - por isso, mesmo que estupidamente, gosto de imaginar que, havendo quem possa decidir nestas matérias, as minhas palavras façam perceber que ainda é cedo para vivermos uns sem os outros.
Aos 31 anos, já não preciso de uma mesa como as tuas, Gó - só preciso de ti;
Aos 31 anos, Milinha, já não quero o maior bolo da padaria - só te quero a ti;
Aos 31 anos, Né, já não quero mais um relógio para a nossa colecção - só quero que não tenha que haver tempo contado;
Aos 31 anos, Mamã, não preciso que me compres mais livros - só quero reler-te, como a um livro antigo, e recordar as linhas de amor que me deixaste e que sublinhei montes de vezes;
Aos 31 anos, Papá, não preciso que te chamem, Sr. Mesquita - só preciso que sejas o Bi que me dizia,
Não tenho medo de nada!,
[E não tenhas],
Aos 31 anos, Avô, gostava de não ter que ter saudade - por ti, pus em repeat um dos teus abraços e o coração-cassete demorou-se nele.
Aos 31 anos, sabe-se bem quem são os nossos amigos - a esses, sempre se diz "bom dia", deles sempre recebemos o agasalho certo para as incertezas nubladas da vida.
Aos 31 anos, agradeço.
E. aos 31 anos, o maior presente que tenho é a verdade do que sou graças a vocês.
Um beijo,
R.
RM| II-VI-MMXVIII
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