Algo de estranho se passa neste país. E igualmente estranho é não ser isto nada de novo. Ainda assim, que esta estranheza passe ao papel. Com efeito, que país é este? Não sei se é possível amar-se tanto uma coisa e, ao mesmo, tempo odiá-la ainda mais por isso. Por ser um daqueles amores impossíveis. Diria que é pela diferença de idades. É um país antigo, é sabido. E talvez este meu Portugal tenha atingido aquela idade em que se senta num banco de jardim, a aquecer o esqueleto moído pelo tempo.
Sou jovem eu. Os bancos de jardim são sempre lugares fugazes, passageiros. Sigo caminho e eles lá ficam. Com os vultos cansados, ao sol. Gostava de ter um país jovem. Sim, capaz de marcar o ritmo e comandar o pelotão. Mas o meu país, coitado, fica na cauda. E, com a mão suave da complacência, se lhe diz: "Pelo menos participaste!". E o país retorna ao banco, para aí ficar mudo e quedo. O banco não chega para nós. Os velhos precisam de descansar, sempre ouvi dizer. E raramente os velhos cansados dos jardins aprendem a apreciar as gentes de furores, como eu. Vê-se o mar daquele banco. Um longo mar de prata, com um remate de espuma na areia dourada.
"Engraçado, penso eu, parece o velho do restelo." Mas cansado. Ou podia ser o Sr Zé ou um velho qualquer.
Quando se é velho, as vezes, a memória falha. E este país, já exaurido, esqueceu o rosto da prole. Ainda é capaz de reconhecer um traço ou outro, a voz talvez, mas logo retorna ao estado de ataraxia, com o olhar fundo, baço e vazio.
Quem cansou o meu país? Ou de que se cansou ele? Desde pequeno que sonho sair da praia pelo mar. Seguir caminho, ir além da Taprobana. E, embora o desejo me consuma e seja, até, maior do que eu, esperava que o velho me quisesse cá. Estranhamente, o velho nao resiste. Talvez nao perceba que me vou, o velho.
E é isto, o país nem resiste. O amor é sempre um pouco possessivo. Ainda que nao se ame da mesma forma ou na mesma linguagem, espera-se sempre ser o objecto estimado de um amor. O meu país deixa-me ir. Talvez nao me possa prometer nada. Ou talvez nao haja razões para que o velho do Restelo fale, agora.
A voz é unânime. "Ide e dissipai-vos, Disse."
Vou. Aqui o tempo parou. Como se a ampulheta contivesse, agora, toda a areia destas dunas, cada vez menores e nunca mais passasse. Este lugar nao é para mim. Há mar, há mar há ir. E voltar?
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