Rewind

sábado, 19 de janeiro de 2013

18.01

O amor corresponde quase sempre a um silêncio como um corredor de luz que nos agasalha. É uma espécie de coisa sem medida, sem possibilidade de expressão que não a dos corpos muito juntos, das palavras trocadas, das gargalhadas e lágrimas - o amor é a única ausência povoada. No vazio da expressão cabem as catedrais e os hinos que erguemos como face absoluta do que somos. No silêncio cabem todas as razões que temos para o que somos, para o que sempre conseguimos ser por cima de tudo, apesar de tudo.
O amor é a estrada que abrimos dentro de nós para deixar entrar a luz - são as clareiras que os outros abrem em nós - espaços de ternura, de abrigo, de saudade, dessa melancolia doce que existe nas presenças que não queremos perder.
O amor é a história que nos acontece e nos retrata - é uma ausência de vontade que se torna a nossa biografia - é a não escolha que melhor nos define, nos redime e nos alimenta. É pelo amor que a vida se amplia, se expande como uma vaga de espuma contra as rochas.
Amar é não ter como resistir - ter o nome de alguém em qualquer parte do corpo, ter dentro um segredo que a existência serve para revelar e cumprir.
Amar é descobrir que não somos nunca só nossos - somos sempre mais de tudo aquilo que descobrimos depois dos outros; moramos sempre mais nos lugares e naquilo que os outros nos revelam de nós mesmos.
O amor é essa casa não escolhida que encontramos tantas vezes no avesso da vontade, no outro lado dos desejos. É o cimento que une os ossos, as coisas, que cose o chão onde tudo quebra, onde a dor mói. Amar é resistir - é o domesticar do medo, fazer do sonho o antídoto da finitude e ousar uma escala que não é a nossa.
Amar é uma promessa maior do que a vida - é o que fica de nós como uma cadeia que nos une, nos identifica depois da voracidade do tempo.
Amar é um sentimento sem passado - vive connosco na pele como uma cicatriz de sobrevivência - lembra-nos do que persiste, do que sempre se regenera, se recupera, se reinventa e nos cabe nos poros como o ar do caminho.
Carregamos dos outros a revelação do que verdadeiramente podemos ser - no sangue mora-nos esse eco agitado, esse rumor de gente, essa matéria de luz, esse retrato de nós que outros ajudam a compor.
Ter amado é a coisa mais próxima da fé - saber que a existência é uma espécie de sacerdócio, de juramento com a pele e o ar que nos reste. É um crer sem ver - crer porque nos nasce um desejo sem medida, um absoluto que trazemos bordado no peito, nos nós que a saudade nunca deixa de atar mais fundo.
Somos sempre mais dos outros - é o perto que é a geografia do amor, a latitude que queremos para que floresça - e sempre tudo acaba florindo quando o perto é connosco que vive.
A memória é a biografia que alguém nos escreveu. E recordar é, muitas vezes, ler no escuro, não precisar de outra luz que não a do ritmo a que bate o coração. É saber de cor a valsa que o tempo dançou - gostar do conhecido, do vivido, do dado e partilhado.
Reconhecer nisso tudo uma fonte eterna de frescura, de esperança, de alegria e paz.
Amar é uma sentença em que somos o nosso capataz - em que alegremente morremos para renascer, para salvar da distância tudo o que nasceu para estar perto.
Morremos todas as vezes para descobrir a vida que mora depois da dor - como um mar que viesse, chegasse, enfim, à praia onde o esperam.
Por isso sempre se perdoa, sempre se agarra o fio da vida como um pedaço de carne viva, quente - sempre queremos chegar onde sabemos que nos esperam.
E o amor é sempre a morada onde, depois de tudo, quem crê sempre se encontra.
 
Parabéns, Avó.
   

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