Em terras lusas a crise chegou para ficar. Ou nunca chegou a partir. E, com as chuvas do Inverno, ela frutificou nas bocas e nas carteiras de meio mundo. A crise está no meio de nós, minha gente.
Mesmo as alminhas mais incautas assistem à sua deificação em grandes parangonas nos jornais e em telejornais de gosto e qualidade duvidosos.
As coisas estão mal. Mas o mal que hoje vivemos é a consequência de um mal muito maior pelo qual somos todos responsáveis. Sim, isto de se ser cidadão do Mundo é uma chatice porque traz uma data de nomes esquisitos de sítios inóspitos onde se decide a nossa vida e as viagens que vamos fazer nos fins de semana prolongados.
Mas, apesar da crise não ser esquisita e também atingir essa cambada de prepotentes louros e quase perfeitos "do estrangeiro", a verdade é que em Portugal ela nunca vai embora e grassa a cada solavanco do mundo civilizado.
Talvez o problema seja mesmo nosso, meus amigos. E, enquanto não se elimina a História dos currículos das nossas crianças, aprendamos um pouco mais acerca de nós mesmos. Sim, sobre a nossa gente e a nossa terra. Não arranjemos rapidamente um bode expiatório.
Se olharmos para o nosso País veremos que, desde sempre, Portugal buscou a solução no colo da bem aventurança que viria de fora. Primeiro os Descobrimentos e as especiarias da Índia; depois o ciclo do ouro do Brasil ou ainda o saudoso Império Ultramarino. O último colo que encontramos chama-se União Europeia.
O Sebastianismo impera na nossa forma de vermos o Mundo. Esperar pela salvação, a moer as mágoas, não é paradigma do nosso tempo. Não é, nem pode ser.
Nenhum país se salva sem o seu Povo. Porque são uma e a mesma coisa. Reacção precisa-se. Precisam-se padeiras de Aljubarrota para exorcizar desta vez os nossos demónios. Precisa-se de uma nova forma de se ser Português - a do compromisso com uma Pátria, com um futuro, com uma visão. Nossa e por nós.
Chega de esperar e pedir soluções. Chega da demissão que isso significa porque a cidadania, como a Vida, acontece-nos todos os dias. Mas só existe verdadeiramente quando se faz dela uma conquista de todos os dias e não uma terra adquirida onde se espraia o esquecimento e o comodismo. O erro dos portugueses é achar que os erros do passado não se repetem. Temos memória curta e indolente.
Por isso, tudo se demora aqui e volta sempre com mais força. A crise é nossa. Uma crise de identidade, de valores. Não há uma ideia de País que nos aglutine e galvanize a todos. Não há ideia de Bem Comum, de Comunidade no seio deste individualismo estéril e anómico.
Não se pode ser indiferente. Precisa-se de uma sociedade civil consciente, viva e activa. Precisa-se de um país para lá da partidarização e do aparelhismo político que teima em reproduzir modelos e arquétipos vazios. Mas temos os políticos que merecemos.
Precisa-se de uma educação séria, completa e sempre exigente. Sem ela não há verdadeira igualdade de oportunidades e a liberdade efectiva do Homem reduz-se a uma mera conquista e consagração formais.
A nossa crise não é económica. Ou, se é económica, é-o também porque nos falta uma estratégia comum, esse desígnio colectivo que se ergue para lá do conjuntural e momentâneo.
As liberdades têm de sair à rua. Têm de existir para lá do formalismo. Têm de viver no corpo da sociedade que somos ou queremos ser.
Pelo nosso país lutamos nós. E a solução, tal como parte do problema, está no que fazemos da vida no quotidiano e a forma como nos posicionamos em relação às coisas que decidem e condicionam as nossas vidas e as dos nossos filhos.
O nevoeiro veio. Vivemos rodeados de um desespero calado e conformado. Esperamos ansiosos pelo volte-face que há-de vir. Mas o nevoeiro também somos nós. E não podemos esquecer que, enquanto cidadãos, é a nós que se exige para podermos exigir. É a nós que se pede para abdicarmos para podermos ter. Não podemos esperar que o Mundo nos dê um novo Mundo. O Mundo também somos nós. E, hoje, ninguém dá nada a ninguém.