Rewind

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Na chuva


Chovia tanto nesse dia, meu amor. O céu era um chão pesado de chumbo. O asfalto das ruas a pele morta de um rio sem fundo. Segurava-te a mão com os teus dedos compridos enlaçados na pequenez impotente do meu corpo. Via-te nos olhos a areia fina de lágrimas contidas e envergonhadas.

O teu corpo pedia-me: "Olha a chuva." E, então, percebi que querias a cortina dela para poderes chorar todas as lágrimas que o teu corpo continha. E seguravas a tua mão na minha, como a bóia que te impediria de sucumbir no mar do pranto. Falava-me tanto esse silêncio de água lançada contra o corpo altivo e prepotente dos prédios e das casas, nas ruas. Também as tuas lágrimas eram o rio de protesto contra o que morava na tua vida, sem que o habitasses. O teu grito de raiva escrito na água das tuas lágrimas.


Tinhas o corpo molhado, com a água a dobrar as esquinas dos teus ossos. O cabelo num desalinho de cola na pele do teu rosto. Tudo o que se ouvia era o mundo calado. Era o vento a chicotear as nossas costas e a varrer o caminho. E tu a alma que desabita a existência que acontece sem ti. Saíste do palco da tua vida para a deixares no espaço vazio das ruas. Tinhas esperança que no corpo da água dos teus olhos se misturasse a água do céu e a elas, as pisassem os pés da gente que chegaria.


Foi maior do que eu e a minha vontade encostou o teu rosto ao meu peito. Puseste as mãos nas costas do meu pescoço - senti dar-se um nó na pele dos teus dedos.


E o meu peito foi o chão onde caíram as lágrimas - tuas e do mundo. Segurava-te inteira nos meus braços e senti que tinha inteiro o céu.




"- Olha a chuva" - dizias. E foi nos teus olhos que encontrei a mais perfeita delas, caindo inteira na terra dos meus braços. E nas ruas do meu corpo tudo o que passou foram os passos do meu amor por ti. Com cheiro a terra molhada.