Rewind

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Enquanto dormes

Às vezes imaginava-te morta enquanto dormias. Retirava a vida do teu corpo aconchegado perto do meu. Imaginava que não mais me acordarias com um sorriso doce e lento e que não mais nasceria das tuas mãos nenhum beijo de dedos que passeiam.
Imaginava que a luz dos teus olhos se afundara para sempre na sombra. E tinha medo. Era como asfalto incendiado por borracha queimada o meu peito. Doía o mar de angústia como um volume que cresce e esmaga o ar debaixo dele.

Peguei-te na mão tantas vezes. Pu-la na minha com medo de te perder. Às vezes, mexias-te com desenhos infantis a nascerem-te no rosto sereno. Queria tanto agarrar-te com uma força maior do que o medo que sentia. Não deixar que te levassem dali.

Porque podias, de facto, não mais acordar. Podia o mundo perder a tua luz e eu perder o meu chão. E ao meu amor juntava-se o medo. O medo que fazia nascer em mim, num lampejo súbito, a ânsia de te cobrir inteira nos meus braços, de demorar a minha pele na tua um pouco mais.

E perguntava-me se, sendo nós eternos e sabendo disso, demoraria os meus olhos em cada um dos teus sinais para guardar dentro de mim a imagem perfeita do teu corpo ou se repararia na posição em que dormes e deitas o teu corpo. O amor só é intenso enquanto houver medo. Medo que o tempo o consuma antes do tempo; o medo que todo o tempo que tenha a nossa vida não chegue para o adormecer.

O tempo faz com que as coisas infinitas se concretizem. Ou que delas se realize a nossa tentativa. É porque há um fim que demoramos a vida no tempo que as coisas duram.

Chegavas-te perto de mim quase todas as vezes. Pousavas o braço no meu peito. Conseguias, enfim, acalmar-me e levar-me o corpo até ao sono. Só queria que fosse o mesmo que o teu.

Se amanhã não acordasses, dormiria para sempre acordado no sonho da véspera.

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