Rewind

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

dança-me,

o dia em que me levaste a dançar.
 
não queria, sabes bem. 
 
dançar, para mim, foi sempre estar perto do teu corpo, ouvi-lo pousar à porta de tudo o que estava por fazer, senti-lo começar dentro de todos os infinitos que se abriam inteiros na carne dos teus lábios e agarrá-lo sempre com a coreografia inquieta do improviso.
 
mas tu pedias, insistias que fosse - os teus lábios demasiado perto dos meus, tão perto que o ar com que te negaria, mo roubaste tu com um sorriso como um rumor subtil entre a folhagem.
 
e fui, como se pela tua mão o meu corpo me habituasse à noite, habitasse essa espécie de silêncio vazio e clandestino em que as varandas soltam versos, as janelas secretamente não se trancam do lado de dentro e sobre tudo paira o fôlego ansioso de uma promessa.
 
sabes, a dança começa muito antes do encontro dos corpos - cada um de nós  agarrado ao perfume da estação por inventar que o outro traz nas esquinas da pele onde queremos, de súbito, não saber mais o caminho e não ter que voltar; a dança começa quando o mistério do outro se anuncia nos corredores demasiado longos da nossa espera e todas as palavras se movem na urgência de um encontro que as dispense.
 
o que dia em que me levaste a dançar - no escuro, as tuas pernas a varrerem as dúvidas do chão gasto; no escuro, o teu peito agitado como o mar nos dias em que o poente se atrasa; no escuro, o teu corpo a empurrar o meu como um balouço que me levasse sempre para o limiar da porta do teu ventre.
 
imagino ao som de que melodias nos movíamos - tu certamente descalça na areia fina da praia do nosso encontro - essa onde os teus cabelos soltos roubaram ao vento a pressa de partir e a praia se esvaziou à espera que eu viesse.
 
eu a lembrar o arco doce dos teus braços feitos fortaleza e a maré que subiu mais longe só para me deixar nos lábios a esperança imensa do teu regresso. 
 
às vezes, à noite, mesmo nas noites mais escuras, lembro-me de ti.
 
e tu és como uma paisagem que parte os vidros e fica suspensa nas paredes do meu quarto, esperando apenas; invadindo o meu sono, somente para não deixar que o meu coração possa estar noutro sítio ou que da varanda da memória se veja mais do que os teus olhos enchendo o espaço infinito da manhã.
 
dessa noite, ficou-me a música.
 
o vento traz o teu corpo de novo, como um sonho esquecido há muito tempo.

as praias ficam desertas outra vez.
 
e eu, sem saber como, volto a saber dançar. 
 

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