Às vezes, escolho amar-te com a ignorância do primeiro dia.
É como se, de repente, eu andasse dentro do escuro, como se pudesses chegar vinda do princípio do nosso amor em que um vestido leve principiou a frase. Na verdade, a frase não começou com o vestido - foi o que começou depois de o vestido estar esquecido no chão que foi a primeira frase do nosso amor.
Volto, sem querer, àquela frase - é bonito uma frase começar com um mar de pele a acender no escuro partes de nós que o outro traz na ponta dos dedos, nas linhas que a língua desenha e onde escrever se torna quase impossível.
Chamar-lhe frase é quase ridículo - nunca soubemos escrever com pontuação, tu e eu. Há sempre um excesso naquilo que não se espera, há sempre um desacerto quando começamos a aprender a escrever o nosso nome com as palavras que o outro nos ensina.
A primeira vez que a polpa dos teus beijos me empurrou para o lado de dentro da pele, a primeira vez que deixaste os teus cabelos esquecidos no meu peito e eu não dormi só para que se atrasasse o tempo naquele abandono feliz das coisas e dos sonhos.
É mesmo estúpido dizer que um amor começa com uma frase - quando se ama, cedo se descobre que nunca se soube escrever, que todas as folhas trazem o branco da surpresa, que todo o amante é um analfabeto nas coisas do mundo. Se o nosso amor começou com um vestido, amar é despir tudo quanto não deixe ver-se a pele, amar é começar a chamar céu ao contorno dos teus lábios quando tudo em ti promete noite e tudo em mim esquece o dia.
Volto à surpresa do meu corpo a navegar o teu, volto a sentir-me bonito por andar na rua com o teu cheiro dentro das camisas como um segredo, volto porque todo o amor para ser grande há de ter, por entre as sombras, a esperança de um regresso.
Volto a esperar-te do lado de cá da porta - no rosto, um sorriso que não desiste, que não se cansa, que não tem horas e, de repente, os olhos são braços e a porta abre-se e dentro de mim a música começa a desenhar desejos debaixo da pele.
Nunca te disse que o nosso amor tinha começado com aquele vestido. Talvez o vestido tenha sido apenas o princípio - o que veio depois, isso sim, é o tempo onde volto sempre para encontrar de cada uma das coisas o lugar.
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